sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Mari Boine: a voz mística da Lapónia

A embaixadora cultural dos sami recupera as entoações xamânicas do canto yoik, cruzando-o com ritmos de todo o mundo


Os sons xamânicos embalados pela voz melódica da cantora
(imagens:
Jorge Costa/Multipistas)

Ela é uma das mais conhecidas
artistas nórdicas em todo o mundo. Cantora mas também activista, a embaixadora cultural dos sami
tem vindo a lutar pelo reconhecimento dos direitos do povo autóctone da Lapónia, no norte da Escandinávia, bem como pela preservação da identidade do seus conterrâneos. Um dos maiores grupos indígenas europeus, com cerca de 70 mil indivíduos, empurrados ao longo de séculos para o tecto da Noruega, Suécia, Finlândia e Rússia.

“Recuperar a música desta cultura é também algo político, mesmo ainda hoje. No início, as minhas canções falavam muito sobre essa situação”, refere ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO a norueguesa Mari Boine, que a 15 de Fevereiro esteve no grande auditório do Teatro Municipal da Guarda, acompanhada por quatro músicos: o guitarrista Georg Buljo, o trompetista
Ole Jørn, o baterista Gunnar A
e o baixista Svein Scultz. “Na minha música quero trazer para fora a batida xamânica, os valores esquecidos da minha cultura e de outras culturas indígenas. Eu absorvo tudo o que está na natureza e no ambiente. Então, isso mistura-se tudo dentro de mim e sai na forma de música”.


Mari Boine falando sobre três décadas de carreira musical

A cantar desde 1980, Mari Boine descreve a dor de um povo até há pouco tempo proibido de falar na sua língua e de se expressar através do joik. Durante muito tempo, o canto mais característico dos sami foi visto pelos laestadianistas, os luteranos mais conservadores, como a música do diabo. Género minimalista que, ironicamente, é profundo e espiritual por natureza, mas que por vezes não resiste à tentação de se fazer acompanhar por um tambor ou outros instrumentos.

“Eu cresci numa comunidade muito restrita, onde a minha família e a maioria das pessoas decidiram seguir as regras da Igreja, dos padres e dos missionários. Eles não ensinaram aos filhos a sua música tradicional ou muitas das histórias porque isso era visto como pecaminoso e uma coisa do diabo”, explica a cantora. “Quando comecei a fazer esta música, os meus pais não aprovaram, e nunca chegaram a ir aos meus concertos. Muitas das pessoas mais velhas pensaram que ao ter começado a usar a bateria também era pecaminoso, mas agora que já faço isto há 28 anos, acho que essas vozes de quem estava contra já não são tão fortes. Os mais jovens estão mais abertos a estas coisas”.


A instrumentação moderna alia-se aos sons da Lapónia

Embaixadora cultural dos
sami, mas também cidadã do mundo, Mari Boine junta a música tradicional do seu povo com a riqueza rítmica e harmónica de outras culturas ancestrais. Um encontro que passa pelo cruzamento dos sons étnicos de África ou da América do Sul com influências mais actuais como o jazz, o rock, a pop ou mesmo a música electrónica. Peregrinações sonoras a que se juntam instrumentos como o violino árabe, o charango peruano, as flautas andinas ou as percussões africanas.

“Desde sempre que tenho vindo a misturar a música sami com ritmos de todo o mundo porque penso que sou uma pessoa universal”, confessa Mari Boine. “Sou sempre muito curiosa a todos os tipos de influência. Gosto muito da música africana, mas também dos ritmos de leste. E sempre gostei de música árabe”, acrescenta a cantora. “Quando eu era pequena, costumava ouvir rádio e andava sempre à procura de música, e cada vez que ouvia música árabe, não sei porquê, sentia que era algo que eu conhecia bem”.

Percussão e ritmo associam-se ao canto tradicional sami

Com quase trinta anos de carreira e mais de uma dezena de álbuns, Mari Boine tem vindo a colaborar com artistas internacionais como Peter Gabriel ou Jan Garbarek. Da veia xamânica do joik, assente numa escala pentatónica, a cantora norueguesa herdou o ritmo e as entoações do tempo em que o homem estava mais próximo da natureza.

“A batida xamânica está muito próxima do ritmo do coração”, diz Mari Boine. “Também há música maravilhosa na música ocidental, mas muita dela é demasiado artificial e superficial. No entanto, penso que muita da música antiga e das canções tradicionais de todo o mundo têm muito do coração e alma”, conclui a artista, fazendo ainda uma ponte com Portugal. “Por vezes ouvimos o fado turístico, mas o fado verdadeiro é que tem a alma”.

Espírito partilhado também com a sonora saudade portuguesa. São canções simples, erguidas pela voz mística de Mari Boine, um espelho da alma que se liga ao corpo através da música.

Mari Boine, acompanhada em palco pelos quatro músicos


Discografia:
1985 - “Jaskatvuođa Maŋŋá” - Etter Stillheten
1989 -
“Gula Gula” - Hør Stammødrenes Stemme/Hear The Voice of The Tribe's Mothers
1991 -
“Salmer På Veien Hjem”, com Ole Paus e Kari Bremnes
1992 - “Møte I Moskva”, com os Allians
1993 -
“Goaskinviellja” - Ørnebror/Eagle Brother
1994 -
“Leahkastin” - Unfolding
1996 -
“Radiant Warmth”, com Goaskinviellja e Leahkastin
-
“Eallin”, ao vivo
1998 -
“Bálvvoslatnja” - Room of Worship
2001 -
“Oa Hámis”, remisturado
2002 -
“Gávcci Jahkejuogu” - Eigth Seasons
2006 -
“Idjagieđas” - In the Hand of the Night

Jorge Costa

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Emissão #59 - 23 Fevereiro 2008

A 59ª emissão do MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO, difundida no sábado, 23 de Fevereiro, entre as 17 e as 18 horas, na Rádio Urbana (Castelo Branco - 97.5 FM; Fundão, Covilhã e Guarda - 100.8 FM), vai de novo para o ar na quarta-feira, 27 de Fevereiro, entre as 21 e as 22 horas, sendo reposta três semanas depois (15 e 19 de Março) nos horários atrás indicados.

Um programa especial onde se destaca a entrevista exclusiva a Mari Boine, realizada a 15 de Fevereiro no Teatro Municipal da Guarda, a propósito do regresso a Portugal da cantora norueguesa.


"Höyhensarjan Maailmamestari", Tuomari Nurmio & Alamaailman Vasarat (Finlândia) - progressive folk, punk, rock
Tuomari Nurmio e os Alamaailman Vasarat inauguram a emissão com “Höyhensarjan Maailmamestari”, tema do álbum conjunto “Kinaporin Kalifaatti”, editado em 2005. Tuomari Nurmio, nome artístico de Hannu Juhani Nurmio, nasceu em Helsínquia e é um dos mais originais cantautores finlandeses. Da música country e dos blues, às reminescências de Tom Waits, são impressões ora românticas, ora humorísticas, que Tuomari (“juíz”, em finlandês, alcunha adoptada desde que este se formou em Direito) combina com expressões peculiares, metáforas e vernáculo quanto baste. Depois do duo de guitarra e bateria com Markku Hillilä, surge agora a colaboração com os Alamaailman Vasarat (Martelos do Submundo) numa mistura que combina melodia, harmonia e ritmo. Criados em 1997 também em Helsínquia por dois membros do grupo de rock progressivo Höyry-Kone - o percussionista Teemu Hänninen e o guitarrista Jarno Sarkula, que então comprou um saxofone soprano -, os Vasarat são um projecto acústico cheio de humor e energia. A banda – a que se juntam Miikka Huttunen, Marko Manninen, Tuukka Helminen e Erno Haukkala - apresenta-se como uma combinação de world music ficcional oriunda do seu próprio continente imaginário, a Vasaraasia, com elementos de heavy metal, jazz e música klezmer. Uma folk progressiva situada algures entre o chamber rock, o ethnic brass punk e o kosher-kebab jazz. São climas sombrios e texturas densas numa original mistura de timbres baseada em instrumentos de sopro (trombone, clarinete e saxofone soprano), no violoncelo, no piano e no órgão, mas também em instrumentos como o didgeridoo e o shenhai (espécie de oboé indiano). Ritmos acelerados e frenéticos a provarem que no rock não são necessárias guitarras eléctricas.

"Kounoun", Kaouding Cissoko (Senegal) - kora music, mandingo
O senegalês Kaouding Cissoko regressa ao programa com "Kounoun", tema extraído do seu único disco a solo, editado em 1999. Em “Kora Revolution”, trabalho lírico e introspectivo produzido pelo baixista Ira Coleman, o virtuoso da kora (espécie de harpa de 23 cordas da África Ocidental, cuja caixa de ressonância é uma cabaça) mistura este instrumento e a tradição mandingo com a sofisticada pop senegalesa dos Daande Lenol (banda do conhecido Baaba Maal, a que se juntou em 1991) e outros géneros africanos. Uma sonoridade que havia já sido cruzada com o flamenco por Toumani Diabaté, com o jazz pelo Kora Jazz Trio, ou ainda com o rock por Ba Cissoko. O resultado é uma folk onde se destacam as harmonias vocais femininas e uma secção rítmica complexa construída a partir das sonoridades do djembé, da tama (tocado com um pau, o “tambor falante” deve o nome ao seu timbre variável), do sabar (tambor tradicional senegalês), do balafon (instrumento sul-africano, percussor do xilofone, cuja ressonância se deve a um conjunto de cabaças), da guitarra, da flauta ou do baixo. Falecido em 2003, vítima de tuberculose, Kaouding Cissoko, fazia parte de uma grande família de tocadores de kora. Por diversas vezes que tocou com os Afro-Celt Sound System ou com músicos como Salif Keita, Nusrat Fateh Ali Khan, Michael Brook, Mansour Seck ou Ernest Ranglim - estes dois últimos convidados especiais neste trabalho familiar onde participaram ainda o pai de Cissoko, as suas sobrinhas Mamy e Sokhna e a irmã Binta.

"Pimpin' For The Muse", Tuatara (EUA) - funk, jazz, rock, lounge
Os Tuatara trazem-nos “Pimpin' For The Muse”, tema extraído do seu terceiro álbum “Cinematique”, editado em 2001. Um trabalho instrumental com contornos cinematográficos, onde são reunidas várias jam sessions em que a banda, aqui alargada aos onze elementos, utiliza instrumentos exóticos como o didgeridoo, os tambores de aço, as percussões africanas, o bandolim e o alaúde. Sons étnicos que rapidamente ganham ritmo e percussão, e que resultam da mistura de referências que vão da música asiática ou libanesa à folk ocidental, com o rock, o bebop, o jazz, o funk ou o lounge. Entretanto, os Tuatara têm vindo a cruzar a instrumentação exótica com as misturas electrónicas de vários DJ's. Este colectivo de compositores norte-americanos, criado em 1997 em Seattle, começou por ser um projecto de amigos com vista à composição de bandas-sonoras para cinema e televisão, mas rapidamente deu lugar a um novo grupo. Pela formação, de que hoje fazem parte Peter Buck e Scott McCaughey, Joe Cripps, Craig Flory, Barrett Martin e Elizabeth Pupo-Walker, passaram ao longo dos anos elementos dos R.E.M., The Minus 5, Critters Buggin, Screaming Trees, Luna ou Los Lobos. A título de curiosidade, registe-se que a tuatara - nome que em maori significa "dorso espinhoso" - é um réptil da Nova Zelândia, praticamente extinto, e que pouco mudou nos últimos 220 milhões de anos.

"Sukkar", Wafir (Sudão) - afropop, soukous, sephardic
A viagem continua com Wafir e “Sukkar” (Açúcar), tema retirado do álbum “Nilo Azul”, rio a que o multinstrumentista dedica o seu primeiro disco a solo, lançado em 2002. Um tributo aos seus conterrâneos sudaneses, em particular à voz açucarada e aos sorrisos de mel deste povo, onde colaboram Mariem Hassan, Nayim Alal, Iain Ballamy, Josete Ordoñez, Pedro Esparza, Vicente Molino, Ivo e Nasco Hristov, Sebatián Rubio, Salah Sabbagh, entre outros músicos. Wafir S. Gibril explora então a tradição oral do seu país numa viagem pelo longo braço de água em que se condensam séculos de civilização. Improvisos e ritmos complexos árabes, à mistura com harmonias de jazz e melodias celtas, flamencas e búlgaras, os quais têm por base instrumentos como os bongos sudaneses (possuem três tambores em vez de dois), o saz (alaúde mediterrânico), o rabab (cordofone de arco afegão), a viola, o bendir, o pandeiro ou as krakebs (espécie de grandes castanholas metálicas, base rítmica do gnawa). O virtuoso do violino ou do oud (alaúde árabe), que hoje vive em Madrid, começou por tocar acordeão nos Abdul Aziz Almubarak, Mohammad Al Amin e Abdul Karm Al Kably, formando mais tarde o grupo Kambala. Membro dos Radio Tarifa e do ensemble madrilenho La Banda Negra, ao longo da sua carreira Wafir tem vindo a compor temas para filmes como o conhecido “Finisterra”. Da longa lista de colaborações com outros artistas fazem parte a sua irmã Rasha ou nomes como Eduardo Paniagua, Hevia, La Musgaña, Joaquín Ruíz, Djanbutu Thiossane e Amistades Peligrosas.

"Mirant Les Notícies", Cheb Balowski (Espanha) - pachanga, raï, gnawa, rock
Seguem-se
os catalães Cheb Balowski com “Mirant Les Notícies”, tema que faz parte do álbum “Plou Plom” (Musiqueta Que Enamora), editado em 2005. Terceiro trabalho do grupo, produzido por Stephane Carteaux (baixista dos Color Humano), e em que participam alguns elementos dos americanos Kultur Shock e dos franceses Radio Bemba. A designação da banda resulta da junção dos termos Cheb ("o jovem", em árabe), complemento habitual nos nomes dos cantores de raï argelinos, e Balowski (em polaco, o verbo balować significa "divertir-se bailando"), apelido do emigrante de Leste interpretado por Alexei Sayle na série de televisão inglesa “The Young Ones”. Formados em 2000 em Barcelona, depois de uma infância comum no bairro de Raval, os Cheb Balowski integram uma dezena de músicos - eles são Yacine Belahcene Benet, Isabel Vinardell Fleck, Marc Llobera Escorsa, Santi Eizaguirre Anglada, Jordi Marfà Vives, Daniel Pitarch Fernández, Jordi Ferrer Savall e Arnau Oliveres Künzi, Jordí Herreros e Sisu Coromina. Cantando em castelhano, catalão, francês e árabe, eles cruzam a música catalã e a cultura mediterrânica com a energia do raï, do gnawa, do reggae e do rock. Um ambiente festivo, que vai do flamenco e da pachanga aos ritmos balcânicos, árabes, africanos e mediterrânicos, assente na sonoridade de violinos, saxofones, trompetes, piano, bateria, acordeão, guitarra, baixo e todo o tipo de percussões.

"Liegga Gokčas Sis", Mari Boine Persen (Noruega) - joik, jazz, blues
A norueguesa Mari Boine Persen destaca-se nesta emissão com o tema “Liegga Gokčas Sis” (Num Manto de Calor), extraído do álbum “Eight Seasons”, lançado em 2003. Disco com arranjos que se concentram nos ambientes electrónicos, produzido por Bugge Wesseltoft, e onde colaboram, entre outros, os músicos Jah Wobble, Bill Laswell, Jan Garbarek e Juan Carlos Quispe. Nascida em Gámehisnjárga, Mari Boine tem lutado pela preservação das tradições e pelo reconhecimento dos direitos dos seus compatriotas sami, os habitantes da Lapónia, território situado no norte da Escandinávia. Mari Boine cresceu numa altura em que ainda era proibido falar o dialecto sami nas escolas e cantar o joik (yoik em inglês). Graças à pesada herança da colonização cristã, o canto mais característico dos sami foi durante muito tempo visto como a música do diabo. Uma veia xamânica, assente numa escala pentatónica, da qual Mari Boine e o seu ensemble herdaram o ritmo, as batidas e a espiritualidade, lembrando os tempos em que o homem estava mais próximo da natureza. A voz mística da embaixadora dos sami, que canta também em inglês, mistura então o joik com os blues, o jazz, a pop, o rock e mesmo a música electrónica. Acompanhados pela flauta, saxofone, guitarra baixo e bateria, são sons vocalizados, e por isso mesmo mais entoados que cantados, onde se evocam a beleza da terra e das montanhas, o sol da meia-noite nos meses de Verão ou as tradições pré-cristãs.

"Pitt Bull de Bologna", Chalart58 (Espanha) - reggae, jungle, hip-hop
Despedimo-nos com “Pitt Bull de Bologna”, tema retirado do primeiro disco a solo de Chalart58 “Recording”, editado em 2007. Trabalho misturado e produzido num estúdio móvel pelo próprio baterista e percussionista de Barcelona, membro dos La Kinky Beat, e que no currículo conta ainda com a participação em projectos como os Radio Bemba, Jaleo Real ou Fermin Muguruza - Euskal Herria Jamaica Clash. Dos encontros casuais que durante dois anos Chalart58 teve com muitos amigos resultou um conjunto de temas instrumentais e riddims (ritmos da música jamaicana), inspirados em géneros que vão do reggae e do funk ao hip-hop, e cuja base instrumental é encabeçada pela tríade eléctrica das guitarras, baixos e teclados. Sendo cada tema interpretado por um vocalista diferente, o leque de colaborações neste álbum é bastante alargado, destacando-se a presença de cantores e músicos como Matahary e Willy Fuego (La Kinky Beat), Rude (Barrio Beat), Hernan “Lucky” (Mamamilotas), Sito (Jaleo Real), Marco Fonktana (Aerolineas Subterraneas), David Bourguignon (Radio Bemba), Rubio (Nour), Arecio Smith (Asstrio), Marcel El Lipi (Ranking Soldiers), Sorkun, Dreadga ou os Bad Sound System.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Emissão #58 - 9 Fevereiro 2008

A 58ª emissão do MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO, difundida no sábado, 9 de Fevereiro, entre as 17 e as 18 horas, na Rádio Urbana (Castelo Branco - 97.5 FM; Fundão, Covilhã e Guarda - 100.8 FM), vai de novo para o ar na quarta-feira, 13 de Fevereiro, entre as 21 e as 22 horas, sendo reposta três semanas depois (1 e 5 de Março) nos horários atrás indicados.

"Colonie", Red Cardell (França) - folk-rock
Os Red Cardell a abrirem mais uma emissão com “Colonie”, tema retirado do álbum “Sans Fard”, sétimo trabalho do grupo, editado em 2003. Originários da cidade francesa de Quimper, eles são uma das mais conhecidas bandas tradicionais da Bretanha. O grupo, formado em 1992 e de que hoje fazem parte Jean-Pierre Riou, Jean-Michel Moal e Manu Masko, começou por tocar em bares. Surgidos no movimento do rock bretão, e à margem da nova vaga celta, os Red Cardell decidiram então fundir as danças e os cantos tradicionais da Bretanha com ritmos da Europa de Leste, da América do Sul ou do norte de África. Uma viagem em que géneros como a folk berbere e ucraniana, o tango, o reggae, a dub, o funk ou o java se juntam com influências diversas que vão do punk-rock anglo-saxónico ao rap e ao techno. Geografias sonoras à mistura com textos poéticos em inglês e francês, os quais abordam temas recorrentes no blues, na chanson française ou no gwerz (canto bretão a capella onde se aborda o quotidiano). Um ambiente festivo multi-étnico que tem por base instrumental o acordeão, a bombarda bretã, a flauta, as guitarras acústica e eléctrica, a bateria ou os sintetizadores.

"Areias de Sal", Júlio Pereira (Portugal) - folk, acoustic, fusion
As músicas do mundo prosseguem com Júlio Pereira e "Areias de Sal", tema que integra o seu último álbum “Geografias”, lançado em 2007. Um conjunto de inéditos instrumentais baseados em memórias de viagens e experimentações sonoras, resultado da combinação entre bandolim, guitarra portuguesa, viola braguesa, bouzouki e sintetizadores. Depois de muitos anos ligado ao cavaquinho, Júlio Pereira volta-se agora para outro cordofone pequeno, o bandolim, instrumento que o acompanha desde a infância. São sons tradicionais portugueses à mistura com ritmos africanos e orientais, num trabalho que conta com as vozes de Sara Tavares, Isabel Dias (grupo minhoto Raízes) e Marisa Pinto (Donna Maria), bem como Miguel Veras na viola acústica e guitarra e Bernardo Couto na guitarra portuguesa. Júlio Pereira estreou-se no rock com grupos como os Petrus Castrus e os Xarhanga. Da inovação musical dos anos 60/70, à revitalização dos instrumentos tradicionais, a partir dos anos 80/90 Júlio Pereira associou-os a soluções acústicas contemporâneas. Ao longo de mais de três décadas de carreira, o multi-instrumentista, compositor e produtor tem colaborado com músicos como Carlos do Carmo, Amélia Muge, Pedro Burmester, Eugénia Melo e Castro, Zeca e João Afonso, José Mário Branco, Jorge Palma, Janita Salomé ou Fausto, bem como os The Chieftains, Pete Seeger, Kepa Junkera, Xosé Manuel Budiño, Uxia ou Na Lúa.

"La Caverne", Claire Pelletier (Canadá) - celtic music
Claire Pelletier de novo no programa, desta feita com “La Caverne”, uma composição que nos remete para a conhecida alegoria de Platão. O tema faz parte do álbum “En Concert Au St-Denis”, gravado ao vivo em Outubro de 2002 no teatro Saint-Denis, em Montreal, no Canadá. Desde muito pequena que a rapariga da voz azul-marinho, baptizada de Claire La Sirène (A Sereia) se deixou fascinar pelos contos, lendas e canções tradicionais do Quebeque, província onde 80 por cento da população é de descendência francesa. Aos 24 anos, a jovem trocava o curso de oceanografia pela música, surgindo inicialmente ao lado do grupo Tracadièche. Depois de ter dado a conhecer “Galileo” no Quebeque e na Europa francófona, neste álbum Claire Pelletier, o músico e seu marido Pierre Duchesne e o compositor Marc Chabot misturam as músicas dos álbuns “Murmures d'Histoire” (1996) e “Galileo” (2000), ligando a inspiração medieval, a alma céltica, as melodias tradicionais e as lendas da antiguidade. Um espectáculo em que o duo harmónico combina o piano, o violino, a viola e o contrabaixo com sons electrónicos. Como a vela de um barco, a voz envolvente e suave de Claire Pelletier iça-se, estica-se e apoia-se sobre o vento.

"Bajjan", Youssou N'Dour (Senegal) - mbalax, afropop
A jornada continua com Youssou N'Dour e o tema “Bajjan”, retirado do álbum “Rokku Mi Rokka” (Apanhar e Levar), editado em 2007. Trabalho onde o mais famoso cantor senegalês se aproxima dos cantos religiosos sufi, das percussões dos griots e dos sons do norte do Senegal, num apelo à paz, tolerância e valorização do continente africano. No final dos anos 70, o autor, intérprete e músico, que aprendeu a cantar com a mãe, formava com o cantor El Hadj Faye os L'Etoile de Dakar, e em 1981 os Le Super Étoile de Dakar. Cruzando os ritmos sincopados do mbalax senegalês com a pop internacional, numa fusão que inclui o jazz, a soul e arranjos afro-cubanos, o “rouxinol de Dakar” depressa cativou o público ocidental sem no entanto abdicar das suas raízes, conquistando o estatuto de embaixador da música africana. Nos seus temas em wolof e inglês, Youssou N’Dour retrata o mundo da pobreza, da emigração ou os valores culturais africanos. Um dos mais conhecidos a nível global é “Seven Seconds”, gravado com Neneh Cherry. Através da música, Youssou N'Dour pretende quebrar o silêncio das crianças que sofrem e abraçar as causas humanitárias. Da fundação com o seu nome aos concertos em benefício da Amnistia Internacional, o embaixador da boa vontade para as Nações Unidas e para a UNICEF tem por isso mesmo colaborado com músicos como Peter Gabriel, Axelle Red, Sting, Alan Stivell, Bran Van 3000, Wyclef Jean, Paul Simon, Bruce Springsteen, Tracy Chapman, Branford Marsalis, Ryuichi Sakamoto ou o camaronês Manu Dibango.

"Ndongoy Daara", Orchestra Baobab (Senegal) - afropop, afrobeat, salsa
A Orchestra Baobab estreia-se no programa com "Ndongoy Daara", um protesto contra a corrupção escrito por Laye Mboup, músico cuja sonoridade inspirou os primeiros êxitos da banda. A música faz parte do disco “Specialist In All Styles”, gravado em Londres e lançado em 2002. Primeiro álbum da Orchestra Baobab depois de duas décadas de inactividade, produzido por Youssou N'Dour e Nick Gold, e onde são convidados Ibrahim Ferrer (dos Buena Vista Social Club) e Thio M'Baye. Recorde-se que o grupo se dissolveu em 1987, depois de o percussivo mbalax se ter tornado mais popular do que a sua melódica pop senegalesa. Neste trabalho, a Orchestra Baobab, que a 24 de Julho vai estar no Festival de Músicas do Mundo de Sines, recupera o espírito de fusão que a celebrizou. Surgidos em Dakar em 1970 na inauguração do Baobab Club, a banda, cujo nome se refere à majestosa árvore da savana, foi formada em grande parte por veteranos da Star Band. Balla Sidibe, Rudy Gomis, Ndiouga Dieng, Assane Mboup, Medoune Diallo, Barthélemy Attisso, Issa Cissoko, Thierno Koite, Latfi Ben Geloune, Charlie N'Diaye e Mountaga Koite misturam sons tradicionais da África Ocidental com a música cubana e caribenha (son, pachanga, salsa ou bolero) e com a pop ocidental. As melodias crioulas portuguesas, do Togo e Marrocos, a rumba congolesa ou o high life ganês são então adaptados às influências wolof da cultura griot do norte do Senegal, às harmonias mandinga da região de Casamance e às percussões do sul do país.

"Domschottis", Garmarna (Suécia) - folk-rock
Os suecos Garmarna regressam ao programa com “Domschottis”, tema extraído do álbum “Vittrad” ("Withered", em inglês), lançado em 1994. A banda surgiu quatro anos antes, depois de três jovens suecos de Sundsvall - Gotte Ringqvist, Stefan Brisland-Ferner e Rickard Westman – terem ficado impressionados com a componente musical de uma representação do clássico ”Hamlet“, de Shakespeare. Inspirados pela velha música sueca, estes começaram então a procurar antigas melodias e instrumentos. O grupo, a que hoje se junta Emma Härdelin, canta velhas lendas da música tradicional do seu país, falando de bruxas más, madrastas tenebrosas e de princesas indefesas. Convém explicar que na mitologia sueca os Garmarna eram os cães que guardavam a porta do inferno. Uma imagem metafórica que se transpõe facilmente para os cenários sonoros criados por este quinteto, que oscila entre as estéticas anglo-saxónicas e os ambientes da música tradicional sueca. No entanto, os Garmarna não fazem questão de perpetuar tradições. O que eles procuram é antes um som único, influenciado pelo rock, e que misture a instrumentação antiga - das harpas e violinos às sanfonas e guitarras - com sequenciadores, amostras de batidas e sons distorcidos.

"Höglorfen", Hendingarna (Suécia) - swedish folk, ethno-punk
Seguem-se os Hedningarna com “Höglorfen”, tema retirado do álbum “Hippjokk”, editado em 1997. Trabalho onde o ressurgido ensemble musical, agora já sem o canto yoik/juoiggus das finlandesas Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, tem por convidados o finlândes Wimme Saari, o norueguês Knut Reiersrud, bem como Johan Liljemak, Ola Bäckström e Ulf Ivarsson. Das incursões pelo mundo do rock à pop e ao techno, os Hedningarna (em sueco, “hedning” significa "pagão") misturam sonoridades contemporâneas com elementos da música tradicional nórdica. Temas que a banda, formada em 1987 e da qual hoje fazem parte Anders Skate Norudde, Hållbus Totte Mattsson, Christian Svensson e Magnus Stinnerbom, reinterpreta de forma livre e inventiva, juntando-lhe ainda percussões acústicas e electrónicas. Para isso, servem-se de antigos instrumentos de vários países do norte da Europa, e não só, como a moraharpa (versão medieval da nyckelharpa, harpa tradicional sueca, semelhante a um violino com teclas), a stråkharpa (lira nórdica de arco), o lagbordun, o hummel (cordofone sueco, da família da cítara e semelhante ao norueguês langeleik), a mandora (cordofone da família do alaúde), o oud (alaúde árabe), a sanfona, a guitarra barroca, a flauta transversal, o violino, a gaita sueca, o acordeão, o didgeridoo e o pandeiro.
"El Capitán", The Cuban Cowboys (EUA) - spanglish indie rock, son, montuno
Despedimo-nos com “El Capitán” dos The Cuban Cowboys, tema retirado do seu álbum de estreia “Cuban Candles”, editado em 2007. Uma canção onde o grupo fala sobre um marinheiro mulherengo sempre ausente de casa, com filhos em todo o lado, e uma vida recheada de degradação e violência. Trabalho que é uma amálgama de influências culturais, cruzadas com histórias sobre o exílio cubano, a imigração dos pais para os Estados Unidos, as expectativas e os sonhos desfeitos ou ainda sobre a reconciliação destes jovens com as duas culturas a que pertencem. À voz de Jorge “Hialeah” Navarro juntam-se então a guitarra de Luca “iLL Postino” Benedetti, o baixo de Angeline “Diamante En Bruto” Saris e as percussões de Andy “Chulito Del Fuego” Sanesi. O resultado é um cruzamento dos cubanos son e montuno, géneros tradicionais a que os The Cuban Cowboys adicionam uma mistura explosiva feita de punk e rock latino. Formados em Brooklyn em 2000 e extremamente populares nos clubes de Nova Iorque e São Francisco, eles consideram-se a maior banda de surf rock cubano, definição adequada à sua mescla algo absurda, mas sempre bem disposta, de ritmadas melodias em “espanglês”. Sons que os próprios The Cuban Cowboys situam algures entre as coordenadas musicais dos Buena Vista Social Club, dos The Pixies, de Ricky Ricardo ou de Tom Waits.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

World Music Charts Europe - Fevereiro 2008

Eis o TOP 20 relativo ao mês de Fevereiro dos 185 discos nomeados para a tabela europeia de música do mundo (a lista pode ser consultada em http://www.wmce.de). A assinalar, para além da manutenção do primeiro lugar e da presença do moçambicano Deodato Siquir e do cabo-verdiano Tcheka, as oito novas entradas no topo do painel (três em estreia absoluta no WMCE e cinco a subirem para os primeiros vinte lugares):

1º- THE SOUL OF ARMENIA, Djivan Gasparyan (Arménia) - Network Medien
mês passado: 1ºlugar

2º- WAMATO, Les Amazones de Guinee (Guiné) - Sterns
mês passado: 46ºlugar
3º- DIASPORA HI-FI, Watcha Clan (França) - Piranha
estreia na tabela
4º- TAKSIM TRIO, Taksim Trio (Turquia) - Doublemoon Records
mês passado: 5ºlugar
5º- LONJI, Tcheka (Cabo Verde) - Lusafrica
mês passado: 4ºlugar
6º- DEUS ET DIABOLUS, Al Andaluz Project (Espanha, Alemanha) - Galileo
mês passado: 9ºlugar
7º- BEL CANTO - BEST OF GENIDIA YEARS, Mbilia Bel (RD Congo) - Sterns
mês passado: 6ºlugar
8º- ROKKU MI ROKKA, Youssou N'Dour (Senegal) - Nonesuch
mês passado: 2ºlugar
9º- ELS AMANTS DE LILITH, Lídia Pujol (Espanha) - Temps
mês passado: 11ºlugar
10º- SOUL SCIENCE, Justin Adams & Juldeh Camara (Reino Unido, Gâmbia) - Wayward
mês passado: 10ºlugar
11º- MADE IN DAKAR, Orchestra Baobab (Senegal) - World Circuit
mês passado: 3ºlugar
12º- POLÍTICA DE VERBANA, Gertrudis (Espanha) - Galileo MC 
mês passado: 56ºlugar
13º- PINATA, Mexican Institute of Sound (México, Alemanha) -Cooking Vinyl
mês passado: 118ºlugar
14º- RAISING SAND, Robert Plant & Alison Krauss (Reiuno Unido, EUA) - Rounder
mês passado: 20ºlugar
15º- BALANÇO, Deodato Siquir (Moçambique, Dinamarca) - NCB
mês passado: 19ºlugar
16º- D'ICI ET D'AILLEURS, Soha (França, Argélia) - Virgin EMI
mês passado: 46ºlugar
17º- HURIA, Sanna Kurki-Suonio (Finlândia) - Rockadillo
mês passado: 18ºlugar
18º- GRANDE FINALE, Magnifico (Eslovénia) - Arih
estreia na tabela
19º- ROOTS, Baba Zula (Turquia) - Doublemoon
estreia na tabela
20º- DISKO PARTIZANI, Shantel (Alemanha, Balcãs) - Crammed/Essay
mês passado: 41ºlugar