quinta-feira, 14 de maio de 2009

Drumming: percussões do mundo

Utilizando marimbas de diferentes materiais e formas, o grupo revela as origens e usos dados a este instrumento ancestral

Doze mãos tocam em simultâneo o mesmo instrumento
(imagens: Jorge Costa/Multipistas)

São marimbas de todas as formas e feitios e com elas se faz uma viagem pela história sonora do planeta. A proposta pertence aos Drumming, grupo de percussão que a 6 de Maio, no Cine-Teatro Avenida de Castelo Branco, inaugurou a edição de 2009 do festival Primavera Musical.

Em palco, os seis instrumentistas (João Cunha, João Tiago Dias, Miquel Bernat, Nuno Aroso, Pedro Oliveira e Rui Rodrigues) recriam temas tradicionais da Tanzânia, Moçambique, Madagáscar, Indonésia, Japão, México ou Guatemala. Timbres e tons étnicos misturados com géneros que vão da música clássica ou erudita (teatro, ópera e bailado) à pop, rock, jazz e música electrónica.

“Queríamos um projecto onde pudéssemos mostrar todas as variedades de marimbas ou xilofones, os instrumentos como ícones em si, como um museu visual, mas também o que se faz com essa diferença de instrumentos, explica ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO Miquel Bernat, director artístico do grupo. Então fomos investigar as músicas de cada uma destas regiões. Foram oito anos em que fomos recolhendo instrumentos e aprendendo com eles”, conta o percussionista.

Miquel Bernat (topo), Tiago Dias (esquerda) e Rui Rodrigues (direita)

“Começámos com as tábuas no chão, que era o tipo de xilofone mais rudimentar, depois outro da Tanzânia, que já tinha as lâminas numa espécie de estrutura, esclarece Rui Rodrigues, um dos membros residentes dos Drumming. As timbilas, com as cabaças, começam a ganhar ressonância. A seguir apareceu a marimba mexicana, porque ainda tem um som que é conseguido por uma membrana de plástico”.

Materiais mais ou menos sofisticados que revelam as origens e os usos dados ao longo do tempo a um instrumento que terá surgido no sudoeste asiático há cerca de 600 anos.



Em palco, os músicos exploram os sons das marimbas

Da Indonésia (onde se destaca nas orquestras de gamelão), a marimba passou para África - do balafon da Guiné à mbila de Moçambique - e daí, no século XVI, para a América Central e América do Sul, sendo hoje o instrumento nacional da Guatemala. Por fora, o aspecto não é muito diferente, mas por dentro cada marimba tem uma personalidade sonora única.

“Os instrumentos têm todos lâminas de madeira, mas cada um tem um som característico, justifica João Tiago Dias. E isso levanta interesse não só nos mais pequenos, mas até nos mais adultos que não reconhecem essas coisas”, argumenta o jovem percussionista.

“Cada tribo afina os instrumentos de forma diferente, o que cria muita riqueza, já que numa extensão onde hajam vinte populações, podemos talvez encontrar vinte tipos de instrumentos”, conclui Miquel Bernat.


Nesta marimba rudimentar, cabaças amplificam os sons

Das mais rudimentares da África subsariana, com escala diatónica, às mais complexas, com vários teclados, a marimbra (do bantu “objectos achatados em que se bate”) é constituída por quatro a cem barras ou lamelas (normalmente de pau-santo ou pau-rosa), afinadas escavando a parte inferior e que habitualmente têm um tubo (de madeira ou PVC) ou cabaça para amplificar o som e manipular o timbre, o que também se faz percutindo-as com baquetas (revestidas de ou feltro) ou com as mãos. O resultado é uma palete sonora cuja diversidade quebra fronteiras na forma de fazer e ouvir música.

“Os xilofones da Tanzânia são tradicionalmente tocados por crianças, que também cantam outras melodias incríveis, descreve João Tiago Dias. “Claro que não há partituras nem registos de escrita musical. É tudo passado oralmente entre eles”.

“Em alguns, não existem partituras, e foram os etnomusicólogos que trabalham no campo que nos transmitiram CD’s, vídeos e apontamentos que eles fizeram, recorda Miquel Bernat. Foi um processo de quatro ou cinco anos em que fomos aprendendo oralmente”, garante o também fundador do Ictus Ensemble, de Bruxelas, e colaborador da companhia de dança contemporânea Rosas, de Anne Teresa de Keersmaeker.


Os Drumming utilizam marimbas rústicas e modernas

Retrato das tradições orais transpostas para um projecto pedagógico criado em 1999, fruto do primeiro curso superior de percussão no país, inaugurado cinco anos antes na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto.

Os Drumming procuram divulgar o repertório ligado à percussão erudita na cultura ocidental, juntamente com obras contemporâneas de compositores portugueses e estrangeiros.

O grupo colabora com formações como a Orquestra Gulbenkian, Orquestra Nacional do Porto, Remix-Ensemble ou Quarteto Montagnana e com solistas como Maria João ou Ivan Monighetti. Tem actuado em salas de Lisboa e Porto como a Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Teatro Camões, Centro Cultural de Belém, Teatro Nacional de São João ou Teatro Rivoli, e em festivais na Alemanha, Bélgica, Brasil, Espanha ou França.

Da soma de timbres resultam ritmos e géneros de todo o mundo