sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A folk urbana dos Dazkarieh

A banda combina folk europeia e tradição oral portuguesa com rock e temas próprios numa alquimia ora expansiva, ora intimista

O grupo liga voz e instrumentos tradicionais ou modernos
(imagens
: Jorge Costa/Multipistas, Carlos Nascimento)

A impureza sonora dos Dazkarieh poderá não agradar a alguns etnomusicólogos, mas acompanha a tendência global de cada vez mais se cruzarem diferentes sensibilidades e influências. Criada em 1999 por três amigos - Filipe Neves, José Oliveira e Vasco Ribeiro Casais – que já tocavam juntos, a banda lisboeta viaja pela diversidade musical do planeta, cruzando géneros e instrumentos de todo o mundo: das percussões africanas e árabes aos cordofones mediterrânicos, sem esquecer as referências tradicionais da cultura sueca e irlandesa.

“Quando surgiu, a ideia era simplesmente fazer música com instrumentos acústicos, assegura ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO Vasco Ribeiro Casais, um dos fundadores do grupo, e até então mais ligado ao rock e à música clássica.Depois é que começámos a descobrir a música tradicional de vários países, desde África e Médio Oriente à Europa e Galiza, acrescenta o músico. A parte portuguesa só começámos a descobrir mais tarde”.

As vocalizações deram lugar aos temas em português

Depois da aposta nos originais cantados em "dazkariano"e nas sonoridades étnicas de inspiração europeia, africana, árabe ou brasileira, o grupo (chegaram a ser uma dezena de músicos) concentrou-se nas canções em português e na recriação de melodias tradicionais recolhidas de Trás-os-Montes ao Algarve, incluindo Madeira e Açores.

“As músicas eram vocalizos onde não havia propriamente uma letra, mas com o tempo começou-se a pensar que já que se estavam a escrever letras numa língua imaginária, porque não escrever poemas em português. E a voz, apesar de ser um instrumento, começou a servir também como um meio para divulgar outro tipo de mensagem, explica Joana Negrão, que acompanha os Dazkarieh desde 2006. Começámos a procurar músicas da tradição oral portuguesa com as quais nos identificássemos e a trabalhar muito esse tipo de repertório, em conjunto com as nossas próprias composições”, refere a vocalista da banda.

A acústica dos instrumentos é explorada até ao limite

Em palco, os Dazkarieh exploram os limites físicos da
nyckelharpa ou do “bouzoukão” (guitarra portuguesa com a forma de bouzouki e cordas de baixo). Instrumentos acústicos alterados – veja-se o caso da bateria, com pratos partidos para se obter um som mais sujo, ou do adufe, percutido com baquetas - ou tocados de forma enérgica e pouco convencional, lado a lado com clássicos da música tradicional como o cavaquinho, a gaita-de-foles transmontana, a sanfona ou o bandolim (aqui com dez cordas).

“Começámos a fazer o que víamos e ouvíamos, porque não nos identificávamos muito com a música tradicional que se fazia em Portugal. Depois fomos ouvindo grupos que já tinham feito esse trabalho com a música deles e tentámos fazer música tradicional não como ela era feita antigamente mas com uma visão mais urbana”, diz Vasco Casais. Fazemos a música que nós sentimos à nossa maneira, e o que temos feito é pegar nas músicas portuguesas de tradição oral e dar-lhe o nosso gosto, trazê-la para os nossos dias”.

 
Na folk dos dos Dazkarieh também há lugar para o rock

À margem de fórmulas e rótulos, os Dazkarieh combinam a folk com o rock e a tradição oral portuguesa, juntando-lhe composições próprias e reinventado-a à luz dos seus gostos e à margem de folclorismos.

O resultado é uma alquimia ora expansiva, ora intimista, num cruzamento de hemisférios sonoros a que se juntam também instrumentos – adufe - e temas característicos da
Beira Baixa – “Senhora da Azenha”, “Meninas Vamos à Murta” ou “Cantiga Bailada” (a que eles chamaram “Eras Tão Bonita”) - ou grupos da região como os Velha Gaiteira, que a 10 de Outubro também subiram ao palco na décima edição do Entrelaços – Festival Internacional de Música Tradicional/Folk de Castelo Branco, evento onde os Dazkarieh já tinham estado em 2002.

“O grupo já passou por muitas fases, associadas mais ao gótico, à folk celta ou à world music, e neste momento sentimos que não fazemos parte de nenhum desses rótulos, mas que criámos um som único que é nosso, reitera Joana Negrão. E isso dá-nos a nossa própria identidade sonora”.

O grupo combina música tradicional e composições próprias

As mudanças na banda e o contacto com outras culturas reflectem-se nos trabalhos editados - das experimentações dos dois primeiros ao cruzamento de temas próprios e versões populares nos dois seguintes - e nas inquietações sonoras dos Dazkarieh, este ano uma das cem bandas candidatas aos nomeados para o
Best Portuguese Act nos MTV Europe Music Awards. Por sua vez, na Alemanha, em 2008, foram nomeados na categoria de melhor banda do ano num importante prémio folk.

Eles exploram influências urbanas, transportando este e outros géneros da chamada música do mundo
para ambientes mais contemporâneos como o rock. Forma de levarem essa cultura às gerações mais novas e ao público urbano.

“Temos sempre uma vertente mágica quando fazemos música. Na parte musical nunca fazemos concessões. É mesmo aquilo que sentimos e queremos fazer, recorda Vasco Casais. “Cada vez que vamos ao palco damos aquilo que queremos, e Dazkarieh é isso mesmo. Claro que nos interessa que as pessoas gostem da nossa música, mas estar bem connosco é a nossa prioridade”, esclarece o jovem, que actualmente diz ouvir sobretudo The Prodigy e The John Butler Trio.

Sons intimistas convivem com sonoridades efusivas

Viagem onde Vasco Ribeiro Casais
(nyckelharpa, bouzouki, gaita-de-foles, flauta), Luís Peixoto (bouzouki, bandolim, cavaquinho, sanfona), Joana Negrão (voz, gaita-de-foles, adufe, pandeireta) e André Silva (bateria) cruzam letras - grande parte do escritor Tiago Torres da Silva - e composições próprias com recriações de temas populares da tradição oral, à semelhança do que fazem formações como os Uxu Kalhus, Mandrágora, Chuchurumel, Diabo a Sete ou Lúmen. Mundos complementares com que se enche o caldeirão sonoro dazkariano, sinónimo da energia que o grupo procura transmitir ao público.

“Dazkarieh continua a ser uma banda que tem um lado muito expansivo, mas também muito intimista. Isso mantém-se desde o início, apesar de o som ter mudado, lembra Joana Negrão. O nome Dazkarieh foi uma mistura de sons que ia na linha de não criar nada que tivesse a ver com algo em específico, mas que simbolizasse o grupo e a música que o este faz. E hoje em dia, apesar de soar um pouco estranho, achamos que é uma coisa única, e Dazkarieh representa tudo isso”.

A experimentação é uma imagem de marca do grupo

O resultado poderá ser chamado de música urbana de fusão, imagem de marca daquele que é um dos mais conhecidos grupos do género em Portugal e uma das bandas portuguesas com maior presença no estrangeiro. Nos últimos anos, os Dazkarieh atravessaram a Europa, com destaque para a Alemanha, e países como Cabo Verde, Canadá, México, Malásia e Singapura, acabando por dar mais concertos no estrangeiro que em Portugal.

Dez anos de experimentação em que os Dazkarieh têm vindo a procurar e interligar
timbres, harmonias e ritmos por vezes inesperados, mesmo na sua paleta. Uma sonoridade cada vez mais eléctrica, mas onde há sempre lugar para o acústico.

 
Os Dazkarieh partilham o ritmo com os Velha Gaiteira
Discografia:
2002 – “Dazkarieh”
2004 – “Dazkarieh – Espanta Espíritos” (edição distribuída com o jornal Blitz + edição de luxo com capa em madeira) 
2005 – “Dazkarieh” (compilação com três temas inéditos, distribuída com o livro “Eldest”, de Chistopher Paolini) 
2006 – “Incógnita Alquímia” (edição normal + edição de luxo com capa em cortiça) 
2009 – “Hemisférios”