terça-feira, 19 de junho de 2007

A revolta folk d'Uxu Kalhus

A chocalhada dá-se na reinvenção festiva e eléctrica de músicas e danças tradicionais, cruzadas com sons de todo o mundo


A boa disposição é uma constante do grupo em palco
(imagens: Jorge Costa/Multipistas)

Ainda que rejeitem rótulos, os portugueses Uxu Kalhus servem-se de termos como “música tradicional radical”, “folk subversiva”, “baile progressivo”, “interpretações musculadas” ou “sonoridades camaleónicas” para descreverem as suas endiabradas chocalhadas. Uma revolta sonora que arrancou em 2000, em Gennetimes. “O primeiro intuito, quando fizemos o grupo, foi o de irmos tocar a um festival de danças tradicionais em França, com danças portuguesas”, conta ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO Celina de Piedade, vocalista e acordeonista do projecto, na altura ainda sem alcunha à altura do desafio proposto. “Inicialmente éramos só um duo, os CPPP [Celina Piedade & Paulo Pereira]. Precisávamos de um nome e como levávamos uma professora de danças tradicionais connosco, ela baptizou-nos à pressa. Ela achou que seria divertido, uma vez que o som do grupo não é assim tão tradicional”.



Nem a entrevista ao programa escapou à chocalhada

Ao yin tradicional do recém criado colectivo - Celina Piedade (acordeão e voz) e Paulo Pereira (flautas) -, juntar-se-ia mais tarde o yang moderno de Eddy Cabral (baixo eléctrico), Luís Salgado (bateria e percussões) e To Zé (cordas e guitarra eléctrica). Nesta transformação radical, a folk mistura-se então com géneros como o jazz, o rock, o ska, o funk, o drum & bass, o hip-hop ou a música klezmer. Uma fusão de estilos, ritmos e melodias onde a regra é não haverem regras. “Quando começámos a tocar, decidimos que não nos íamos oprimir e que iriamos usar todo o que pudéssemos, sem medo de furar com a tradição”, refere a jovem. “Todos nós tocámos nos conservatórios, mas uns vieram da música tradicional e outros da música popular. Juntamos isso tudo, sem preconceitos e muitas ideias base, e o resultado é algo completamente livre”.



Eddy Cabral e Tó Zé, a dupla eléctrica dos Uxu Kalhus

A revolta faz-se então pela subversão do folclore e pela reinvenção radical das músicas e danças tradicionais portuguesas e europeias, à mistura com ritmos e instrumentos de todo o mundo. Outro propósito dos Uxu Kalhus é o de recuperar o espírito das danças de baile. “Há muita gente em Portugal desde há dez anos para cá a organizar festivais, bailes e alas de danças tradicionais, e nós surgimos inseridos nesse contexto”, explica a jovem. “A ideia é trazer de novo as danças tradicionais para o quotidiano das pessoas, pô-las a dançar sem ser só no contexto de representação etnográfica”, adianta Celina de Piedade, referindo-se desde logo ao repertório do grupo. “Metade do que tocamos são danças portuguesas, que escolhemos em conjunto com algumas professoras de dança e que temos tentado ensinar no país e fora de Portugal, e metade danças do resto da Europa”.




Celina Piedade e Paulo Pereira, os fundadores do grupo

Num ambiente bem disposto e de festa permanente, o público é convidado a bailar ao som de viras, chotiças, modinhas, corridinhos e regadinhos. Um pezinho em solo português que rapidamente se levanta para dar um pulinho a outros pontos do globo. Danças israelitas, sérvias ou austríacas cruzam-se então com mazurcas, valsas, polcas ou marchas, sem esquecer os ritmos brasileiros (maracatú, embolada ou samba), africanos, árabes e orientais, ou mesmo medievais e barrocos. “A revolta está cada vez mais subversiva”, graceja a vocalista dos Uxu Kalhus. “Pensei que com a idade acalmássemos, mas felizmente que isso não está a acontecer. Estamos muito unidos, o que faz com que exploremos cada vez mais as nossas possibilidades”, acrescenta. “Não queremos cortar com o passado, mas também não queremos representá-lo. Queremos tê-lo presente agora e no futuro”.



A percussão chocalheira é assegurada por Luís Salgado

Para alimentar todo este universo sonoro, os Uxu Kalhus contam com uma variedade de instrumentos: a flauta, o acordeão, a rauschpfeife (aerofone medieval de palheta dupla), as guitarras eléctrica e acústica, o baixo ou o metalfone. Nas percussões, acrescem a bateria, o bouzouki, a darabuka, o djembé, o bombo, o pandeiro, o didgeridoo, o dunun (família de tambores graves africanos, formada pelo kenkeni, sangban e doundounba), o davul (tambor duplo turco, conhecido nos Balcãs por tapan), a caixa, bem como o repenique e o surdo (tambores comuns no samba). Numa alusão clara aos chocalhos, não poderia faltar o caxixi, idiofone africano formado por um cesto de palha trançada em forma de campânula e com sementes no seu interior.





Para além do quinteto, em “A Revolta dos Badalos”, trabalho de estreia do grupo, editado em 2006, podem escutar-se as vozes de Joana Negrão, Rui Vaz, Pedro Mestre e António Tavares, bem com o cavaquinho de Luís Peixoto. A 12 de Junho, no concerto que deram em Proença-a-Nova, nas Festas do Concelho, os Uxu Kalhus presentearam o público com praticamente todas as faixas deste seu primeiro disco, desde os arranjos de temas tradicionais portugueses (“Erva-Cidreira”, “Malhão”, “Mat'Aranha”, “Regadinho” e “Sariquité”), cabo-verdianos (“Maria de Ceição”) às composições próprias (“Horage”, “Xotiska” e “Suite de Polkas”). No alinhamento da noite estiveram também outros que deverão integrar o próximo trabalho, a editar ainda em 2007. É esse o caso do popular “A Saia da Carolina” e do internacionalmente famoso “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, cujo disco sound se entranha no já de si electrizante “Passodoble do Azulejo”.

VÍDEO...↓

Entrevista Uxu Kalhus + tema ao vivo “A Saia da Carolina"

Jorge Costa

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