quinta-feira, 24 de maio de 2007

Emissão #43 - 26 Maio 2007

A 43ª emissão do MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO, difundida no sábado, 26 de Maio, entre as 17 e as 18 horas, na Rádio Urbana (Castelo Branco - 97.5 FM; Fundão, Covilhã e Guarda - 100.8 FM), vai de novo para o ar na quarta-feira, 30 de Maio, entre as 21 e as 22 horas, sendo reposta três semanas depois (16 e 20 de Junho) nos horários atrás indicados.

"Xotiska", Uxu Kalhus (Portugal) - trad-folk-rock, folk fusion

A abrirem a emissão, os Uxu Kalhus com o tema “Xotiska” – um cruzamento entre a chotiça (dança circular, também conhecida por polca alemã) e o ska jamaicano – extraído do álbum “A Revolta dos Badalos”, editado em 2006. A revolta faz-se precisamente pela subversão do folclore e pela reinvenção radical das raízes tradicionais à mistura com sons e instrumentos de todo o mundo. Neste seu último álbum, o grupo de folk fusionista, formado por Paulo Pereira, Celina Piedade, Vasco Casais, Hugo Meneses e Nuno Patrício, apresenta composições próprias e arranjos de temas tradicionais portugueses e europeus. Os sons das mazurcas, valsas, polcas ou marchas cruzam-se então com influências africanas ou com géneros como o jazz, o rock, o drum & bass ou o hip-hop. Acrescem ainda os timbres da flauta, acordeão, rauschpfeife (aerofone medieval de palheta dupla), guitarra eléctrica e acústica, baixo ou metalfone, os ritmos exóticos das percussões (bateria, bouzouki, darabuka, djembé, bombo, pandeiro ou didgeridoo), e, claro está, os chocalhos. Eles surgiram em 2000 em Gennetimes com o objectivo de levar as danças portuguesas até França. Hoje, o público é convidado a bailar não só ao som de viras, corridinhos e regadinhos, mais também de danças israelitas, sérvias ou austríacas. Em Junho, os Uxu Kalhus vão estar em Tavira (dias 2 e 27), Faro (dia 9), Abrantes (dias 10 e 22), Proença-a-Nova (dia 12) e São Pedro do Sul (dia 31).

"Nova Galicia", Luar na Lubre (Espanha) - celtic folk/folk-rock
As músicas do mundo prosseguem com os embaixadores da folk celta contemporânea. Naturais da Corunha, os Luar Na Lubre trazem-nos “Nova Galicia”, tema retirado do álbum “Saudade”, lançado no ano passado. O mexicano Manuel María Ponce, um dos grandes compositores para guitarra a nível internacional, recriou este tema tradicional da Galiza, provavelmente influenciado pela comunidade galega existente no seu país. Com nove trabalhos editados, os Luar na Lubre defendem a cultura, a tradição e a música galegas, sem fecharem portas às influências externas. O grupo aposta agora na América do Sul, de onde emana a música que integra o seu último álbum. Bieito Romero, Patxi Bermúdez, Xulio Varela e Xan Cerqueiro são os quatro elementos que restam da banda original, criada em 1986 e que dez anos depois saltava para a ribalta internacional com o apadrinhamento de Mike Oldfield no seu disco “Voyager”. Neste trabalho os Luar na Lubre apresentam a vocalista que os acompanha há cerca de dois anos, a portuguesa Sara Vidal (que já tinha participado no álbum “Paraíso”), em substituição de Rosa Cedrón. Um disco onde resgatam velhas melodias e harmonias melancólicas, bem como poemas de García Lorca e de autores galegos da emigração, utilizando-os em temas que falam de nostalgia, do exílio e da saudade. Tudo numa homenagem à Galiza que chegou à América Latina e se fundiu com a cultura daquele continente, sem no entanto deixar de parte as suas raízes celtas.

"La Chanson du Quéteux", La Bottine Souriante (Canadá) - trad folk, world beat
Os La Bottine Souriante trazem-nos “La Chanson du Quéteux” (A Canção do Mendigo), tema extraído do álbum “Jusq’Aux P’Tites Heures”, editado em 1991. Um trabalho recheado de reels e canções tradicionais do Quebeque, onde se fala sobretudo de álcool. Este grupo, que em português se chamaria “A Bota Risonha” (o nome refere-se mesmo a umas botas com as solas descoladas), foi criado em 1976 por Mario Forest, Yves Lambert e André Marchand, aos quais se juntaram Gilles Cantin e Pierre Laporte. No entanto, com o passar dos anos, os La Bottine Souriante foram sofrendo mudanças na formação e no som. Se inicialmente se apresentavam com toque franco-canadiano, suportado pela guitarra, acordeão e violino, mais tarde estes passaram a incluir outros instrumentos como o piano, o contrabaixo, o bandolim, o bouzouki e uma secção de sopro em que se incluem o trompete, o trombone, a tuba, a corneta, o clarinete, o saxofone, a harmónica ou a flauta transversal. Os La Bouttine Souriante procuram então preservar as tradições musicais daquela província canadiana, misturando uma folk com raízes em França, Inglaterra, Irlanda e Escócia com estilos como a salsa e o jazz. Um cocktail enérgico e explosivo, cujo ritmo é suportado pelos batimentos de pés e mãos.

"Cuchara del Poder", Terrakota (Portugal) - afrobeat, reggae, gnawa
A jornada continua agora com os Terrakota e o tema “Cuchara del Poder” (Colher do Poder), retirado do álbum “Oba Train”, terceiro e último da banda portuguesa, editado este mês de Maio. O comboio da vida é uma nova mestiçagem sonora onde se apela ao entendimento entre povos, celebrando as músicas do mundo num ambiente de festa. Criados em 1999, os Terrakota empreenderam então uma viagem pela África Ocidental. Na bagagem trouxeram ideias e instrumentos acústicos cujo som viriam a misturar com o poder dos instrumentos eléctricos. Aos três elementos do grupo juntaram-se depois mais quatro músicos e a actual vocalista, os quais viriam a assimilar géneros como o reggae e o gnawa. Depois de três anos de concertos, digressões em Portugal e na Europa, e viagens por Marrocos, Mauritânea, Mali, Burkina-Faso e Brasil, onde recolheram inspiração, os Terrakota juntam agora toda essa energia musical num trabalho que abrange várias geografias (Jamaica, Caraíbas, Cuba ou Brasil), sonoridades (árabes, flamencas ou indianas) e línguas (português, yoruba, wolof, francês, inglês ou castelhano). No seu último disco, uma fusão sem confusão, destacam-se as participações de Ikonoklasta e Conductor, ambos pertencentes ao angolano Conjunto Ngonguenha/Buraka Som Sistema, e do jamaicano U-Roy. A 14 de Julho, os Terrakota vão estar no Festival Serra da Estrela, em Valhelhas (Guarda).

"Life", Dub Incorporation (França) - dub-reggae, dancehall
Viagem até França com os Dub Incorporation e o tema “Life”, extraído do álbum “Diversité”, editado em 2003 e sucessor dos dois EP’s com que o grupo se estreou. Um trabalho que fez dos Dub Incorporation um dos principais representantes da dub e do reggae franceses. Em 1997, um grupo de amigos de Saint-Étienne decidiu juntar-se para partilhar o gosto comum pela música. Graças ao rápido sucesso alcançado, a banda acabaria por atravessar as fronteiras do Rhône e dos Alpes, actuando em todo o país. Para além dos dois géneros que os caracterizam, os Dub Incorporation combinam outras influências que vão dos ritmos tradicionais de Leste ao hip-hop e ao electro-dub. Uma esfera sonora que tem como base uma guitarra rítmica, um saxofone, uma bateria e um teclado. As letras, interpretadas por um toaster (alguém que canta fazendo saltar as palavras), falam subtilmente sobre a imigração clandestina e sobre os jovens dos bairros dos subúrbios, tudo sem recorrer a moralismos e clichés, deixando uma mensagem de paz e fraternidade. Neste tema misturam-se três vozes, uma delas pertencente ao conhecido Tiken Jah Fakoly, figura de proa do reggae do oeste africano e porta-voz da jovem geração da Costa do Marfim.

"Tamatantelay", Tinariwen (Mali) - touareg music, rock, blues
Viagem até ao deserto com os Tinariwen e o tema “Tamatantelay”, retirado do álbum “Aman Iman” (Água é Vida), gravado em Bamako e editado em Fevereiro deste ano. Este clã apareceu em 1982 na Líbia num campo de acolhimento de rebeldes tuaregues (povo nómada descendente dos berberes do norte de África e que vagueia entre a Argélia, o Mali, o Níger e a Líbia), tocando para a comunidade de exilados naquele país e na Argélia. Três jovens encarnam a Ishumaren, a música dos ishumar desempregados, uma geração que sonha com a liberdade e a auto-determinação. São sobretudo melodias tradicionais, inspiradas nas guitarras do norte do Mali ou nos alaúdes (ngoni para os songhai, teherdent para os tuaregues) dos griots, e canções nostálgicas que apelam ao despertar político das consciências e à rebelião da alma. Em 1990, dois elementos dos Taghreft Tinariwen (literalmente, os "reconstrutores dos desertos") integraram o grupo de guerrilheiros separatistas que atacou um posto militar em Menaka, na fronteira com o Níger, inaugurando um novo conflito com o governo do Mali. Seis anos depois, quando a paz chegou finalmente ao sul do Sáara, voltaram-se apenas para a música do seu povo, em geral acompanhada pelo tindé (instrumento de percussão tocado por mulheres) ou pela flauta t’zamârt. Na sonoridade rítmica e harmónica dos Tinariwen, percussores dos blues do deserto, estão presentes também a guitarra eléctrica e a asoüf, solidão característica da poesia tuaregue que, tal como os blues, incorpora um sentimento de desamparo universal. A 29 de Junho, eles vão estar no Festival Mediterrâneo de Loulé, a 5 de Julho no Africa Festival de Lisboa e a 6 de Julho em Évora.

"Mon Amour de Saint-Jean", Les Boukakes (França) - raï n'rock, afrobeat, reggae

Seguem-se Les Boukakes com o tema "Mon Amant de Saint-Germain", extraído do seu primeiro álbum "Makach Mouch’Kil" (Não Há Problema), editado em 2001. Este septeto masculino, nascido no exílio em 1998, é liderado pelo cantor argelino Bachir Mokhtare, incluindo músicos tunisinos e franceses. Os Boukakes foram buscar o nome à contracção de dois típicos insultos racistas: bougnoule (nome outrora dado aos africanos e magrebinos) e macaque (macaco). Uma reacção às referências menos abonatórias que costumavam receber quando se estrearam nas ruas. Sem fazerem comentários políticos ostensivos nas suas canções, os Les Boukakes apelam deliberadamente à resistência ao status quo e à ignorância generalizada. Letras que são combinadas com melodias orientais e instrumentos diversos como o karkabou/qarqabou (grandes castanholas metálicas marroquinas), a derbouka (instrumento de percussão magrebino), o bendir (outro instrumento de percussão), o tar (alaúde iraniano), o duf (espécie de pandeireta), a tabla, o banjo, a guitarra ou o baixo. O raï argelino ou o gnawa marroquino misturam-se então com géneros ocidentais como o rock, o groove e a música electrónica. Ao passar para os bares e festivais, o seu raï n'rock celebrizou-se, surgindo lado a lado com músicos e bandas como os Zebda, The Wailers, Manu Chao, Natacha Atlas, Taraf De Haïdouks, Cheikha Rimitti ou Rachi Taha.

"Afruvva",
Mari Boine Persen (Noruega) - joik, jazz, blues

A
norueguesa Mari Boine Persen apresenta-nos o tema “Afruvva” (A Sereia), extraído do álbum “Iddjagieđas” (Na Mão da Noite), lançado em 2006. Com mais de vinte anos de carreira, Mari Boine tem lutado pela preservação das tradições e pelo reconhecimento dos direitos dos seus compatriotas sami, povo que habita a Lapónia, território situado no norte da Escandinávia. Mari Boine cresceu numa altura em que ainda era proibido falar o dialecto sami nas escolas e cantar o joik (yoik em inglês). Graças à pesada herança da colonização cristã, o canto mais característico dos sami foi durante muito tempo visto como a música do diabo. Uma veia xamânica, assente numa escala pentatónica, da qual Mari Boine e o seu ensemble herdaram o ritmo, as batidas e a espiritualidade, lembrando os tempos em que o homem estava mais próximo da natureza. A voz mística da embaixadora dos sami, que canta também em inglês, mistura então o joik com os blues, o jazz, a pop, o rock e mesmo a música electrónica. São sons mais entoados que cantados, onde se evoca a beleza da terra e das montanhas, o sol da meia-noite nos meses de Verão ou as tradições pré-cristãs.

"Kielo", Kimmo Pohjonen (Finlândia) - folk-rock, electronic folk

O
finlandês Kimmo Pohjonen traz-nos “Kielo”, um tema a solo retirado do álbum do mesmo nome, lançado em 1999. Com uma carreira repartida entre a folk, a música clássica e o rock, o músico e compositor Kimmo Pohjonen mistura de forma única o acordeão com amostras de som e percussões, levando-o para universos como a dança contemporânea ou o teatro musical. Pohjonen, que nasceu na aldeia de Viiala, começou a tocar acordeão aos oito anos. Na Academia Sibelius, em Helsínquia, absorveu a folk e misturou-a com outros estilos. Para expandir a sonoridade do fole diatónico, Kimmo adicionou ao acordeão cromático composições originais que integravam samples e loops do islandês Samuli Kosminen, com quem viria a formar o duo Kluster. Mais tarde, juntaram-se-lhes Pat Mastrelotto e Trey Jun, dando lugar ao quarteto Kluster TU. Entretanto, Pohjonen tem vindo a colaborar com músicos finlandeses como Heikki Leitinen, Maria Kalaniemi, Alanko Saatio ou Arto Järvellä, integrando ainda os grupos de new folk Pinnin Pojat e Ottopasuuna. Apesar dos mais de 13 quilos do acordeão, em palco Pohjonen movimenta-se energicamente, extraindo camadas de som a que adiciona a própria voz. Mais voltado para o formato acústico, Kimmo Pohjonen mantém como base as raízes e os cantos populares da Finlândia, tocando outros tipos de acordeão, a harmónica e a marimba. Tradição e improviso unem-se assim na busca de novos sons através da música experimental e electrónica.

"Acción!", Kevin Johansen (Argentina) - rumba, cumbia, world fusion

Kevin Johansen fecha o programa com o tema “Acción!”, retirado do seu segundo disco a solo “Sur o no Sur”, editado em 2002. Álbum onde o músico argentino, nascido no Alaska, envereda por canções que predominam sobre géneros tipicamente americanos mas, como ele próprio diz, “desclassificados”: o tango, o bolero, a ranchera mexicana, a rumba catalã, o samba celta, a bossanova, a cumbia flamenca, o tex-mex, o zydeco ou a milonga, habilmente cruzados com a pop, o hip-hop ou o funk. Kevin Johansen passou a sua adolescência em Buenos Aires, mas desde muito cedo que começou a percorrer o mundo de guitarra debaixo do braço. Depois de ter vivido alguns anos em São Francisco, Manhattan e Nova Iorque, no final dos anos 90 o compositor decidiu então regressar à Argentina e explorar as suas referências folclóricas, deixando para trás uma breve experiência pop-rock no grupo Instrucción Cívica. Hoje, juntamente com a sua banda The Nada, Kevin Johansen interpreta temas em castelhano, inglês ou mesmo “espanglês”, mistura de estilos e linguagens onde o humor, o sarcasmo e a ironia estão sempre presentes. Um desenraizamento sonoro, imagem de marca da Argentina actual, onde se prova que o futuro da música passa mesmo pela mistura.

Jorge Costa

Sem comentários: