sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O corpo sonoro dos Barbatuques

A infinidade de sons e percussões corporais explorados pelo grupo brasileiro serve de base a ritmos e danças orgânicos


Em palco, o colectivo explora a musicalidade do corpo
(imagens:
Jorge Costa/Multipistas)

Palmas, batidas no peito e no rosto, estalares de dedos, bateres de pés, vácuos ou assobios. Estes são alguns dos efeitos e percussões vocais explorados pelos Barbatuques, um grupo de catorze percussionistas (André Hosoi, André Venegas, Bruno Buarque, Dani Zulu, Fernando Barba, Flávia Maia, Giba Alves, Heloiza Ribeiro, João Simão, Lu Horta, Mairah Rocha, Mauricio Mass, Marcelo Pretto e Renato Epstein) de São Paulo, no Brasil, que, partindo do improviso colectivo, se dedicam ao estudo e ensino da música corporal. Sons que depois são combinados com instrumentos como o berimbau de boca, a flauta ou a guitarra, criando cantos, melodias e danças inspirados na cultura popular brasileira – forró, embolada, samba, baião, afoxé e maracatu –, mas que se cruzam com sons fonéticos e ritmos de todo o mundo. Um diálogo experimental que se estende a géneros contemporâneos como a dub, o rock, o funk, a beat box ou a electrónica. Estéticas que ampliam a gama de timbres orgânicos desta “orquestra de roda”.

“Na adolescência, muitas vezes eu percorria longas distâncias a pé. Como uma música estava muito presente na minha cabeça e eu nesses momentos não tinha um instrumento, começou a acontecer uma espécie de batuque [simula], como acompanhamento para alguma coisa em que eu estava a pensar", explica ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO Fernando Barba, director musical dos Barbatuques. "Aos poucos, quando percebi que isso trazia um som interessante [simula], comecei a desenvolver e a procurar outros ritmos", prossegue o fundador do grupo, cujo verdadeiro apelido é Barboza.
"Eu fazia tanto isso, que uma amiga [Lu Horta] juntou as palavras “batuque” e “barba”, sem saber que iria baptizar o grupo. Depois, o que os Barbatuques fizeram foi dar forma e explorar melhor isso, mas os sons são talvez os mais antigos da humanidade”.




O movimento e o bom humor associam-se aos sons vocais

O “barbatuquear” minimalista e tribal deste compositor e multi-instrumentista, formado em música popular na Unicamp - Universidade Estadual de Campinas, onde estudou rítmica com José Eduardo Gramani, depressa chamou a atenção de músicos, artistas e investigadores como Miló Martins, André Magalhães e Deise Alves. Com o desenrolar do projecto artístico e pedagógico de Fernando Barba, surgiam o Auê Núcleo de Ensino Musical, fundado em 1993 em São Paulo com André Hosoi e Marcos Azambuja, e em 1995, com o apoio de Stênio Mendes, as oficinas de percussão corporal. No cerne de tudo isto está hoje o Núcleo Barbatuques, centro de pesquisa e registo da música corporal explorada artisticamente pelos Barbatuques, que em 1996 se estrearam nos palcos num concerto de Luiz Gayotto, dando o seu primeiro espectáculo dois anos depois. O grupo tem colaborado com músicos brasileiros como Chico César ou Lenine, e instituições internacionais como a UNICEF, a ONU ou a National Geographic. No currículo, destaca-se ainda a sua participação num vídeo promocional da Heineken para a Liga dos Campeões da UEFA.

“Foi uma consequência natural juntar um grupo de pessoas muito interessadas e pensar se isso poderia ser levado para o palco e virar um número musical. Então, criámos uma espécie de núcleo artístico, onde temos a improvisação e a experimentação que através do grupo podemos colocar em prática no palco, mas também centro de informação, onde vários elementos pesquisam e trazem para o núcleo esse tipo de experiência”, refere Fernando Barba. “Aí, pelo nosso imaginário musical, comecei a trazer outros universos e a ver como os sons desses instrumentos se adaptam e se ficavam bem na voz e no corpo. Ao mesmo tempo, comecei-me a aproximar de certas danças, que são já percussivas e incluem sapateados”, diz o jovem. “No nosso trabalho, é quase impossível saber onde termina o som e começa o movimento”.




Os Barbatuques aliam percussões e improvisos colectivos


Da combinação de timbres e ritmos à sobreposição de vozes, tudo serve para ampliar as formas de expressão musical através do corpo. No Brasil, as influências sonoras dos Barbatuques vão do sapateado do coco a nomes como Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos, Tom Zé, Marku Ribas e Badi Assad. Fora do seu país, acrescem referências como os Stomp, o americano Keith Terry, as palmas do flamenco, os harmónicos vocais de Tuva, a boot dance dos mineiros da África do Sul, a percussão vocal cubana ou os sons fonéticos africanos. Exemplos da capacidade da música corporal em retratar os comportamentos e as tradições dos povos. Para além da música, em palco as atenções voltam-se também para as linguagens cénicas e visuais.

“Por vezes, muitos músicos não se apercebem de que antes de a música vir do instrumento vem de nós e está no corpo. E quanto ao que o corpo pode fazer, não existe nenhum tipo de limite de ritmo ou de estilo musical”, esclarece o músico. “É difícil encontrar um grupo que, como os Barbatuques, se dedique exclusivamente à percussão corporal. Mas grupos que usem elementos, são milhares. Há muitos artistas que têm uma espécie de flirt com a música vocal orgânica, mais percussiva”, acrescenta.



Em cena, o grupo explora sons tribais e ritmos urbanos

O trabalho estende-se aos ateliês pedagógicos, onde os Barbatuques mostram ao público como produzir sons corporais básicos. Exercícios de treino de ritmos facilitam então a assimilação dos sons, a improvisação pela escuta e a criação colectiva, desenvolvendo-se assim a percepção musical, a comunicação gestual e a coordenação motora. De uma forma criativa, crianças, jovens e adultos podem explorar também o som único de cada corpo e as sonoridades tribais produzidas por este “sintetizador humano”, fonte ilimitada de sons.

“Existe uma diversidade tão grande de timbres e podemos manipulá-los de tantas formas, que por vezes sentimos a falta de algo mais básico. Quando trabalhamos mais o silêncio, o ouvido fica mais aberto e podemos captar outras frequências. E isso pode ser também um contraponto ao excesso de informação visual e sonora que temos”, afirma Fernando Barba. “O ateliê permite à pessoa a conhecer vários sons, mas também a fazer música em grupo, escutar o outro, ver como é a reacção de fazer música”, justifica, delineando as vantagens sonoras do corpo.
“Do chuveiro ao andar na rua, não é um instrumento pesado que seja preciso tirar de um estojo e limpar para tocar. Tem também uma plasticidade muito grande”.




Instrumentos como a flauta ou o berimbau juntam-se ao corpo

O corpo transforma-se então na principal fonte sonora, adaptando-se por completo à imaginação dos Barbatuques. Experimentação e improviso aliam-se à exploração dos sons fonéticos e vocais, formas de reforçar a sensibilidade acústica.

“Todos os sentidos são inseparáveis, e ao descobrirmos a nossa forma de fazer música, ligando o imaginário ou o que mais nos apetece fazer, podemos acrescentar novos elementos ao que fizermos, sejamos um profissional da educação física, da dança ou do teatro”, confessa o director musical dos Barbatuques. “A percussão corporal não é a grande solução ou uma magia, mas um ponto de encontro que falta entre várias linguagens”, conclui.

Novas linguagens e sonoridades que se juntam ao universo da música corporal. Um contributo acústico dos Barbatuques para o regresso às origens orgânicas da música do mundo.




Nos ateliês com crianças, explorando as acústicas corporais

VÍDEO...↓
Entrevista Barbatuques + tema ao vivo “Carcará"

Discografia:
- “Corpo do Som” (2002)
- “O Seguinte é Esse” (2005)
DVD:
- “Corpo do Som Ao Vivo”(2007)

Jorge Costa

2 comentários:

Unknown disse...

[b]Bem eeu estou a procura de umas imagens e não encontro elas

Nayara Konno disse...

Barbatuques!!!!! =)
o seu corpo tem um som que só o seu corpo tem um som que só o seu corpo tem um som...