quarta-feira, 11 de junho de 2008

Maria João: a voz mestiça do jazz

Depois de um disco recheado de ritmos afro-brasileiros, segue-se o reencontro com Mário Laginha e com os clássicos jazzísticos

Colada à pele e à voz, Maria João apresenta a sua música mestiça
(imagens: Jorge Costa/Multipistas)

Maria João, uma das mais conhecidas vozes do jazz português, encerrou a 14ªedição da Primavera Musical, o Festival Internacional de Música de Castelo Branco. À cidade, a cantora lisboeta trouxe um espectáculo feito com os ritmos coloridos de Portugal, Moçambique e Brasil, sons que se lhe colam ao corpo e se espalham num palco do tamanho do Atlântico.

“Estas três influências fazem parte do pé direito, e o meu pé esquerdo é inteiramente dedicado ao jazz, refere ao MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO Maria João. “Eu não sei bem de onde é que trago as coisas, porque eu nunca vivi propriamente em Moçambique, mas estive muitas vezes lá porque a minha mãe, a minha avó e a minha família são de lá. Nunca assisti a concertos ou fui para o mato ouvir música africana, mas obviamente que isto está no sangue e na pele”, justifica a cantora. “Desde o disco “Cor” que eu sei qual é o meu caminho, a minha música mestiça”.


Em palco, o jazz combina-se com ritmos de todo o mundo

Caminho feito de fábulas sonoras e de conversas com a música, numa mestiçagem que inspira uma voz com várias vozes dentro. A cantora luso-moçambicana estreou-se no jazz no Hot Clube de Portugal, escola onde descobriu à distância os talentos de Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Elis Regina ou Betty Carter. Da experiência nasceu o quinteto Maria João e um disco de standards americanos. Mais tarde, a pianista japonesa Aki Takase revelou-lhe o mundo do free jazz. Desses tempos ficou o improviso em scat, vocalizações sem sentido que acompanham melodia e ritmo, mas muito úteis quando a jovem se esquecia das letras.

“Eu tenho uma aproximação muito intuitiva e instintiva à música. Não tenho nenhum preconceito, oiço tudo e mais alguma coisa, e depois separo o que é a boa da má música”, esclarece Maria João. “Eu gosto muito da música que me faça mexer e dançar, de músicos que façam boa música e que me deixem aos pulos, inspirada, contente e com vontade de dançar”.



André Fernandes (em cima) e Demian Cabaud (em baixo)

Música ritmada que vai dos originais às reinterpretações de temas de nomes da cena internacional. Depois de Björk, Joni Mitchell ou Tom Waits, o último álbum de Maria João revisita os sons da Música Popular do Brasil. Trabalho a solo onde esta explora composições de Chico Buarque, Caetano Veloso, Vinicius de Moraes ou Carlinhos Brown.

“Eu já andava a pedir há tanto tempo um disco dedicado ao cancioneiro brasileiro. Fizemos os arranjos à nossa maneira – às vezes, a música está quase irreconhecível, mas está da maneira que eu gosto”, garante a cantora. “Só faço música de outros se puder juntar alguma coisa. Houve músicas que eu amo, mas como não lhes consegui dar nenhuma volta, então não fizeram parte”.



Marco Franco (em cima e à direita) completa o quarteto

Entretanto, somam-se as colaborações com músicos portugueses (António Pinho Vargas, Júlio Pereira, Dulce Pontes, Mariza, Teresa Salgueiro, Rão Kyao, Jorge Palma ou Danças Ocultas) e estrangeiros (Toninho Ferragutti, Helge Norbakken, quarteto de sopros Saxofour, Orquestra Filarmónica de Hannover, Ralph Towner, Dino Saluzzi, Manu Katché, Kai Eckhardt, Laureen Newton, Bobo Stenson, Christof Lauer, Nils-Henning Ørsted-Pedersen, Hermeto Pascoal, Bobby McFerrin ou David Friedman), e as participações em projectos onde o jazz se cruza com o fado, a música tradicional portuguesa (com José Peixoto, Carlos Bica e José Salgueiro, dos Cal Viva, e as Adufeiras de Monsanto), indiana (com Trilok Gurtu e Wolfgang Muthspiel), brasileira (com Gilberto Gil e Lenine) ou africana (com Bana e Simentera), bem como a dança e as artes marciais japonesas.

As vocalizações de Maria João são sempre uma surpresa

Depois de mais de uma década acompanhada pelo pianista e compositor Mário Laginha, cumplicidade musical de que resultaram oito discos com incursões também no universo da pop e do rock, Maria João surge agora em palco com o quarteto de que fazem parte o guitarrista André Fernandes, o contrabaixista Demian Cabaud e o baterista Marco Franco.

“Estes músicos fazem-me cantar de outra forma porque têm estes instrumentos e as suas personalidades. O Mário e aquele instrumento enorme que é o piano, e aquela orquestra, fazem-me cantar de outra forma, mas a Maria João é sempre a mesma”, assegura. “As pessoas gostam muito de nos ouvir. Tenho muitos convites, estou sempre a cantar fora de Portugal em muitos países, e estou feliz”.


A boa disposição da cantora extravasa para os músicos

O próximo álbum, um trabalho que assinala os 25 anos da estreia do quinteto que juntou Maria João, Mário Laginha, Carlos Martins, António Ferro e Carlos Vieira, já vem a caminho, mas o nome continua no segredo dos deuses. Sabe-se apenas que entre os participantes convidados está o percussionista norueguês Helge Norbakken.

“Eu e o Mário vamos entrar em estúdio e fazer um álbum comemorativo do princípio de tudo. Vamos gravar um disco mais clássico, desta vez mais de standards de jazz, que é uma coisa que já não fazemos há muito tempo”, confessa Maria João. “Vai ser outra aventura”.

Aventuras musicais da voz mestiça do jazz, que se cruzam com os sons e os ritmos do mundo.


Em cena, o movimento junta-se ao ritmo sonoro


Discografia:
1983 – “Quinteto Maria João”
1985 – “Cem Caminhos”
1986 – “Conversa”
1988 – “Looking For Love”
1990 – “Alice”
1991 – “Sol”
1994 – “Danças”
1996 – “Fábula”
1998 – “Cor”
1999 – “Lobos, Raposas e Coiotes”
2000 – “Chorinho Feliz”
2001 – “Mumadji”
2002 – “Undercovers”
2004 – “Tralha”
2007 – “João”
2008 – "Chocolate"

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