terça-feira, 22 de agosto de 2006

Bons Sons em Cem Soldos

A música tradicional e não convencional esteve à solta nas ruelas de Cem Soldos, no concelho de Tomar. Na estreia do Festival Bons Sons naquela aldeia houve ainda lugar aos ateliês de dança e percussão, às artes plásticas e ao artesanato.


O folclore alegre e arejado da serra com os Toques do Caramulo

(foto: Jorge Costa/Multipistas)

Entre 18 e 20 de Agosto, o MULTIPISTAS – MÚSICAS DO MUNDO rumou até à aldeia de Cem Soldos, no concelho de Tomar, para acompanhar a primeira edição do Festival Bons Sons. Um evento dedicado à música tradicional e não convencional, e que, de acordo com a organização, pretende “funcionar como uma plataforma de divulgação de novos grupos de música nacional de qualidade” e “promover o intercâmbio cultural”, levando o público a “viver a aldeia”.

O festival arrancou na sexta-feira, dia 18, com os efeitos visuais dos tomarenses
ULTIMAcTO, grupo integrado no Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS) e que apresenta peças de teatro para todas as idades. Anualmente, eles promovem na aldeia uma mostra com grupos nacionais e internacionais. A abrir a noite no centro da povoação estiveram também os GARAC com o espectáculo “Restos”. Um grupo de animação de rua da associação tomarense Canto Firme, que começou por animar ceias renascentistas, e que hoje apresenta cenas imaginadas e concebidas a partir de matérias e objectos comuns.


O festival arrancou com o jazz tradicional dos Desbundixie
(foto: Jorge Costa/Multipistas)


Na música, a estreia do palco situado no largo principal fez-se com os Desbundixie, banda de Leiria que se socorre da linguagem e do improviso, recuando até aos anos de 1920 ao enveredar por um estilo musical conhecido por dixieland, o jazz tradicional de New Orleans. Eles arrancaram os primeiros passos de dança a um público heterogéneo ainda morno, onde se podiam ver não só as caras de gentes da aldeia e arredores, mas também muitos jovens festivaleiros, alguns deles vindos do estrangeiro. Entre outros, desfilaram os temas “Mardi Grass” e “Royal Garden Blues”, um must jazzístico com que encerraram a actuação.

A animação prosseguiu com a música tradicional dos Toques do Caramulo, grupo da D’Orfeu – Associação Cultural de Águeda que procura reinventar livremente os temas populares daquela serra. Uma formação de sete a oito músicos que começou em 2000 com a oficina de dança, no ‘Andanças’, e que apresenta um folclore alegre, enérgico e arejado, fazendo uma ligação entre a folk rude de outrora e as novas músicas de hoje. Sempre com coreografias engraçadas em palco e muita comunicação com o auditório.


Os Bácoto com os ritmos eléctricos das percussões africanas

(foto: Jorge Costa/Multipistas)

Os Bácoto, que se estrearam em Cacilhas, foram a última banda da noite. E valeu a pena a espera, porque o ambiente de festa e dança electrizante contagiou completamente o público. Eles apresentaram um espectáculo baseado nos ritmos tradicionais afro-mandingues – cultura oriunda de uma zona que compreende a Guiné-Conacri, o Mali, o Burkina-Faso, a Libéria, o Senegal, a Gambia e a Costa do Marfim –, concentrando-se na sonoridade do djembé, símbolo supremo das percussões africanas.

A fechar o serão DJ Popkorn, uma das residentes no Barcode, em Braga, cujo portefólio sonoro vai do chill out ao electro, passando pela música alternativa nacional e internacional.

Sábado, dia 19, arrancou em Cem Soldos com o Canal 0, um projecto de animação de cinema, da autoria de João Cabaço e João Bento, e que tem como base a musicalização electroacústica de filmes de animação do século XX e de vídeos contemporâneos.

De regresso ao palco principal e a abrir a noite esteve a Orquestrinha do Terror, grupo que se serve de influências artísticas que vão da música ao cinema, dança, artes plásticas, circo, teatro ou literatura para recriar música cinematográfica. Eles fundem vários estilos musicais, desde a música portuguesa ao jazz manouche (cigano) e à música tradicional de Leste, o que culmina numa improvisação jazzística com base oriental. Cada tema é uma curta-metragem musical que retrata viagens a outros mundos e uma janela aberta para momentos introspectivos e eufóricos.


As Tucanas testaram a sonoridade dos materias e das vozes

(foto: Jorge Costa/Multipistas)

Seguiram-se as Tucanas, quatro jovens mulheres influenciadas também pelo teatro e dança, e que interpretam os seus temas, inspirados nas tradições portuguesas, africanas e brasileiras, tocando bidões, cabaças, pandeiros, surdos, djembés ou dumbas. Cantando em português e em dialectos imaginários como o “tucanês”, e percutindo instrumentos construídos por elas próprias, as Tucanas brincam e jogam com o ritmo e a harmonia, conjugando a sensibilidade feminina com a rudeza da percussão. Apesar da falha inesperada no gerador eléctrico, o concerto seguiu com a sua acústica quase inalterada. Regressada a corrente, o público não se poupou a aplausos.


O ritmo e a boa disposição dos Skareta a fechar o festival

(foto: Jorge Costa/Multipistas)

O fenómeno da noite veio mesmo do Entroncamento. Os Skareta, grupo que venceu o último concurso de bandas daquela localidade, fecharam em grande o festival. Sempre com boa disposição e ritmo, estes fizeram a plateia dançar euforicamente graças a uma palete sonora que vai do ska (estilo musical jamaicano, percursor do rocksteady e do reggae) de Leste ao afropunk latino, misturando bateria, baixo, guitarra, sopros e voz.

A fechar a longa sessão sonora, que se prolongou até ao nascer do sol, estiveram as DJ’s Kitchenette. Influenciadas pela música dos anos 70 e 80, elas seleccionam géneros actuais como o rock, punk, electro ou happy-hardcore, criando actuações intimistas com o público.

Para além dos concertos e das DJ sessions, o Bons Sons envolveu outras iniciativas como ateliês de dança contemporânea, dança oriental, rumba sevilhana e percussão em bidões. Houve também lugar a desportos radicais e actividades aeróbicas, bem como a uma mostra de artes plásticas e a uma feira de marroquinarias e artesanato pelas ruelas da aldeia de Cem Soldos.

O festival surge integrado no projecto “Acontece Cem Soldos”, iniciativa realizada a propósito das comemorações dos 25 anos da legalização do SCOCS. Esta associação, que organiza o Bons Sons, surgiu na década de 1960, movimentando sobretudo jovens que ocasionalmente regressam à terra. O plano integra também o programa “Avós e Netos”, cuja particularidade foi a de colocar duas gerações distantes a produzir a lagartixa em tecido que serviu de mascote ao festival.

Jorge Costa

EXTRA ...↓
VIDEOCLIP Desbundixie, Toques do Caramulo, Bácoto, Tucanas e Skareta ao vivo em Cem Soldos

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