sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Emissão #20 - 5 Agosto 2006

A 20ª emissão do MULTIPISTAS - MÚSICAS DO MUNDO, um especial dedicado à edição deste ano do Festival de Músicas do Mundo de Sines, é difundida no sábado, 5 de Agosto, entre as 17 e as 18 horas, na Rádio Urbana (Castelo Branco - 97.5 FM; Fundão, Covilhã e Guarda - 100.8 FM), indo de novo para o ar na segunda-feira, 7 de Agosto, entre as 19 e as 20 horas.

"Momelukki & Mosto Leski",
Alamaailman Vasarat (Finlândia) - chamber-rock, ethnic brass punk, kosher-kebab jazz
Os filandeses Alamaailman Vasarat (o nome significa Martelos do Submundo) a abrirem a emissão com os ritmos acelerados e frenéticos de “Momelukki & Mosto Leski”, tema extraído do álbum “Vasaraasia”, editado em 2000. Eles, que foram uma das presenças mais vibrantes no Festival de Músicas do Mundo de Sines, incendiaram a noite na Avenida da Praia com uma mistura de estilos, sempre com criatividade e um bom jogo entre melodia, harmonia e rítmo. Criados em 1997 em Helsínquia a partir do núcleo do grupo de rock progressivo Höyry-Kone, os Vasarat são um projecto acústico cheio de humor e energia. A banda apresenta-se como uma combinação de world music ficcional com elementos de heavy metal, jazz e música klezmer. Uma sonoridade caracterizável algures entre o chamber rock, o ethnic brass punk e o kosher-kebab jazz. São climas sombrios e texturas densas numa original mistura de timbres baseada em instrumentos de sopro (trombone e sax soprano), no violoncelo, no piano e no órgão, mas também em instrumentos como o didgeridoo e o shenhai (espécie de oboé indiano). E ritmos acelerados e frenéticos como este “Mamelukki & Musta Leski” provam que no rock não são precisas guitarras eléctricas.

"Breizh Positive", Jac
ques Pellen & Celtic Procession (França) - jazz rock, celtic music
As músicas do mundo prosseguem com Jacques Pellen, um dos melhores guitarristas bretões e um talentoso músico de jazz, e o colectivo Celtic Procession. Eles trazem-nos o tema “Breizh Positive”, extraído do álbum “Celtic Procession Live – Les Tombées de la Nuit”. Um trabalho gravado em Rennes por doze músicos a propósito do décimo aniversário daquela big band de geometria variável, criada em 1988. Um colectivo que reúne uma dezena de músicos tradicionais bretões e de jazz com a mesma paixão de Jacques Pellen pelo improviso. Com referências tão diferentes quanto o pianista de jazz Keith Jarrett, o compositor clássico Schönberg ou o o guitarrista bretão Dan Ar Braz, eles tentam misturar o jazz com temas e instrumentações de inspiração celta bretã, adicionando-lhes mesmo o rock e sons africanos. O cantor e clarinetista Erik Marchand, o
violinista Jacky Molard ou o baterista argelino Karim Ziad são alguns dos músicos que aceitaram o desafio de acompanhar Jacques Pellen na edição deste ano do Festival de Músicas do Mundo de Sines.

"Nangbar", Dazkarieh (Portugal) - folk rock, world fusion
Neste Festival de Músicas do Mundo de Sines, mudamos de palco e vamos até Porto Covo para escutar os portugueses Dazkarieh. Eles trouxeram-nos o tema “Nangbar”, extraído do álbum do mesmo nome, editado em 2004. Conhecidos por navegarem entre os sons da Irlanda, Índia, África, Andes, Espanha e Balcãs, os Dazkarieh propõem-nos uma viagem pela diversidade musical do planeta. Um projecto genuinamente português que, à semelhança deste festival, procura a sua alma sonora nas culturas mais díspares. A formação dos instrumentistas dos Dazkarieh vai da música tradicional, experimental e erudita ao rock, o que contribui para o enriquecimento do processo criativo do grupo. Quanto à instrumentação, eles servem-se, entre outros, do bouzouki e da flauta transversal, da nyckelharpa (harpa tradicional sueca, semelhante a um violino com teclas) e do cavaquinho, da gaita transmontana e do bandolim. Formados em 1999 por Filipe Duarte, José Oliveira e Vasco Ribeiro Casais, os Dazkarieh começaram por ser conotados com o som celta e a folk gótica. Posteriormente, devido à fusão de materiais musicais tão diferenciados, e já assumidamente ligados à chamada world music, o grupo integrou então cinco novos elementos, passando a conceber canções em língua portuguesa. Recorde-se que até então o “dazkariano” era a base linguística de todas as suas músicas.

"Fairground", Ivo Papasov & his Wedding Band (Bulgária) - wedding band music
Para já, seguem-se o búlgaro Ivo Papasov e a sua Wedding Band. Eles trazem-nos o tema “Fairground”, extraído do álbum do mesmo nome, editado em 2004. O rei da frenética e festiva stambolovo (a chamada música cigana de casamentos) encerrou, junto à praia, o festival de Sines. Nascido na fronteira da Bulgária com a Grécia e a Turquia, Papasov cresceu numa família cigana onde o clarinete é tocado há gerações. Em 1974 forma a Trakija Band, a qual se tornaria a melhor e mais solicitada orquestra de casamentos da região. Ao misturar a folk búlgara e dos Balcãs com elementos contemporâneos, Papasov criou um género a que se chamaria de wedding band music. Mas os problemas com a ditadura levam-no à prisão nos anos 80, o que atraiu a atenção internacional e fez crescer a sua popularidade. Considerado um dos maiores clarinetistas do mundo, Ivo Papasov é também um grande criador de jazz. Em homenagem ao seu talento, os búlgaros chamam-no de Aga (mestre). Papasov toca com a sua mulher, a cantora Maria Karafizieva, e com outros cinco músicos, que em palco surgem com instrumentos como a guitarra, o acordeão, a kaval (flauta tradicional da Bulgária) ou a gadulka (espécie de viola de arco búlgara). Uma mistura exuberante de sons e melodias com improvisações de jazz numa visão contemporânea das danças tradicionais da folk búlgara.

"Tcherno", Vaguement La Jungle (França) - klezmer, gypsy music, jazz, rock'n'roll
Atrás os franceses Vaguement La Jungle com “Tcherno”, tema extraído do seu segundo e último trabalho “Aie Aie Aie”, editado em 2003. Mesmo a propósito, eles são um grupo orientado para a animação de festivais, criando concertos cheios de energia e bom humor onde a festa e a interacção com o público são parte essencial do espectáculo. Nas suas performances, os Vaguement La Jungle misturam música e teatro de rua. Com o seu cocktail fusionista, este quarteto propõe-nos um universo sonoro selvagem e estimulante. Um caldeirão mestiço onde borbulham a música cigana, árabe e judaica, o jazz e o rock‘n’roll, e que é servido com muita improvisação, espírito cáustico e letras libertárias. Uma aventura a escutar também com os olhos, já que a sua música arrasa fronteiras e cada concerto é um verdadeiro remédio contra o marasmo. Os Vaguement La Jungle conheceram-se nas ruas de Nantes e estão juntos desde 2000. Eles fazem parte da nova vaga de artistas franceses que representam as várias comunidades estrangeiras existentes em França e que lutam por uma integração na indústria musical francófona.

"Ya Fama", Toumani Diabaté & Symmetric Orchestra (Mali) - kora music, mbalax
A jornada prossegue com Toumani Diabaté e a Symmetric Orchestra, uma das presenças mais marcantes na última edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines. Eles trazem-nos “Ya Fama”, tema extraído do álbum “Boulevard de l’Indépendance”, editado este ano. Segundo a tradição mandinga, chama-se Diabaté ao griot do seu séquito que pela primeira vez toca kora, espécie de harpa africana em que a caixa de ressonância é uma cabaça. Hoje os Diabaté continuam no topo da aristocracia da harpa de 21 cordas e Toumani é o seu expoente máximo. Este começou a tocar kora aos cinco anos de idade e desenvolveu sozinho a sua técnica. Desde o final dos anos 80 que o mestre maliano tem procurado abrir uma nova janela para este instrumento. Foi o que aconteceu com o britânico Danny Thompson, os espanhóis Ketama, os norte-americanos Taj Mahal e Roswell Judd, que lhe permitiram explorar territórios desconhecidos que vão da folk britânica ao flamenco, blues e jazz. Toumani Diabaté tem colaborado com artistas de todo o mundo, mas foi com o conterrâneo Ali Farka Touré que gravou o disco “In the Heart of the Moon”, premiado no ano passado com um Grammy. Desde 1992 que tem o apoio da Symmetric Orchestra, formada por músicos de países do antigo império mandinga (Mali, Burkina, Guiné-Conacri ou Senegal) e que une a a música tradicional com guitarras eléctricas, bateria e teclados, interpretando repertório que vai da música de kora da Gambia, passando pelo mbalax senegalês e pelos ritmos dançáveis de influência latino-americana.

"Mosquito Song", Seun Kuti & Egypt 80 (Nigéria) - afrobeat
Atrás o saxofonista nigeriano Seun Anikulapo Kuti, filho mais novo de Fela Kuti, a figura régia da afrobeat, com o tema “Mosquito Song”, gravado ao vivo este ano em Dakar, no Senegal, no “Africa Live: The Roll Back Malária Concert”. Aos 9 anos, Seun já cantava coros nos concertos de Fela, tendo vivido junto do pai os últimos da vida dele, absorvendo tudo quanto este lhe ensinava. Depois da morte de Fela em 1997, Seun Kuti foi naturalmente aceite como sucessor na liderança da Egypt 80, a última banda do pai, e começa a assumir a renovação do legado. Com uma voz cada vez mais própria, ele mantém no entanto viva a mais original encarnação da afrobeat, usando uma sólida secção de baixo e o groove incomparável das vozes e percurssões africanas. Um etno-funk circular e hipnótico, com muito jazz à mistura. Seun lidera com tremenda energia a sua banda em palco, tocando reportório do pai e as suas próprias composições. Mantendo o tom político e social nas letras, refinando-se no saxofone e enriquecendo a afrobeat com outras músicas da sua formação, como o hip-hop, Seun é o mesmo dínamo em palco. Magia semelhante viveu-se no castelo de Sines na semana passada num concerto que, para além da orquestra Egypt 80, contou ainda com o baterista Tony Allen, companheiro de Fella Kuti na invenção da afrobeat, uma combinação de
ritmos africanos, funk e jazz que colocou a Nigéria no mapa musical do século XX.

"Dimokransa", Mayra Andrade (Cabo Verde) - morna, funaná, coladera, batuque
Entretanto seguimos até Cabo-Verde com “Dimokransa”, de Mayra Andrade, um dos temas incluídos no álbum “Navega”, seu disco de estreia a solo, editado este ano. Um trabalho gravado de forma expontânea, com poucos arranjos pré-definidos, mas que levou tempo a amadurecer e atravessou diferentes mares. A mais jovem diva da música cabo-verdiana nasceu em Cuba e viveu em Cabo Verde, no Senegal, em Angola e na Alemanha. No entanto, foi em França, país onde hoje reside, que Mayra encontrou os seus ouvintes mais entusiasmados, um dos quais Charles Aznavour, que no ano passado a convidou para cantar com ele um dueto. Uma colaboração que cimentou o perfume de uma voz crioula quente e com grande sentido cénico no território da língua francesa. Mayra Andrade interpreta com destreza, sentido pop e maturidade todos os estilos clássicos da música do arquipélago, da morna ao funaná, da coladera ao batuque, mas a sua abordagem é a de uma nativa da ilha de Santiago, alegre e com fortes afinidades com a música negra do Brasil.

"Toada Velha Cansada",
Cordel do Fogo Encantado (Brasil) - forró, axe, rock
Os brasileiros Cordel do Fogo Encantado, uma das maiores surpresas deste ano do Festival de Músicas do Mundo de Sines, trazem-nos um tema do álbum do mesmo nome, extraído do primeiro trabalho discográfico da banda. Em 1997 um grupo fazia nascer o Cordel do Fogo Encantado. Dois anos depois, a peça teatral transforma-se num espectáculo musical. O jovem quinteto pernambucano fala então de histórias de reis e dragões, de santos e bandidos, do princípio e do fim do mundo. Um projecto que reinventa várias tradições musicais e narrativas do sertão nordestino brasileiro – dos cantadores aos emboladores, passando pelos repentistas e autores de cordéis, folhetos de histórias vendidos nas feiras, – trazendo a sua força mitológica para o século XXI. A música dos Cordel de Fogo Encantado, um dos mais premiados projectos da nova música brasileira, parte de Pernambuco para se fundir noutras latitudes, destacando-se a pujança percurssiva, com o forró e o axe em fúria constante. A essa fusão juntam-se tradições índias, o folclore e a força demolidora dos tambores de culto africano, a par do rock, das texturas do violão e do carisma do poeta e vocalista psicadélico Lira Pães, claramente influenciado pelas cantigas de escárnio e maldizer.

"Galandún",
Eliseo Parra (Espanha) - folk-rock, rap, hip-hop
O programa encerra com Eliseo Parra, um dos maiores conhecedores e reinventores do folclore espanhol e outra das revelações do Festival de Músicas do Mundo de Sines. Ele traz-nos agora o tema “Galandún”, extraído do álbum “De Ayer Mañana”, editado no ano passado. Uma expressão coloquial castelhana dá o título ao mais recente disco deste músico, resumindo na perfeição a sua identidade musical. Trabalho que integra uma ampla variedade de música tradicional espanhola, acrescentando-lhe estilos modernos como o rap, o hip-pop ou o chill out. Fazendo conviver como poucos o ontem e o amanhã, Eliseo Parra é hoje um dos mais estimulantes músicos de raiz tradicional da Europa. Iniciando-se como músico de rock, de jazz e até como membro de várias orquestras de salsa, ele começou em 1983 a investigar as músicas tradicionais das “tribos hispânicas”, registando as suas recolhas em vários discos e livros. Eliseo Parra acredita que a única forma de fazer com que o folclore sobreviva é retirá-lo do ambiente fechado dos museus e levá-lo para o palco. No seu repertório, onde dominam os ritmos de dança, as velhas músicas das Espanhas tornam-se sons do presente e do futuro. É esse folclore pujante e lúdico que se ouviu no encerramento em Porto Covo do programa de concertos do Festival de Musicas do Mundo de Sines. Uma fonte inesgotável de recursos que é apenas um ponto de partida para outras viagens musicais.

Jorge Costa

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