quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Venham mais músicas do mundo!



Tendo em conta o seu público-alvo, é de louvar que pela primeira vez, ainda que de forma modesta, a Antena 3 tenha feito o devido acompanhamento de um acontecimento de escala como o Festival de Músicas do Mundo de Sines. Apesar das limitações, o “Planeta 3”, apresentado semanalmente pela Raquel Bulha, vale pelo gesto pioneiro, pela atitude de resistência e pela oportunidade que dá ao país em respirar algum oxigénio sonoro étnico, coisa ainda rara na telefonia portuguesa, à excepção do “Raízes”, da Antena 2, e de um ou outro programa nas estações locais e regionais, como é o caso do MULTIPISTAS – MÚSICAS DO MUNDO.

Convém aliás lembrar que as rádios públicas tanto têm sido parte da solução como do problema. O exemplo vem da emissora estatal mais orientada para o público tendencialmente atento ao universo das músicas
do mundo: nas 168 horas de emissão semanal da Antena 3, apenas uma é dedicada na totalidade e sem complexos à world music. Precisamente o “Planeta 3”.

É certo que a estação, que em 1994 veio ocupar o lugar vago deixado anos antes pela defunta Rádio Comercial, então emissora juvenil da RDP, construiu a sua personalidade a partir de um modelo programático mais baseado na cultura anglo-saxónica. Razão pela qual, passada pouco mais de uma década, não será fácil sensibilizar para este ambiente musical um auditório cronicamente habituado à linguagem da pop e do rock e com dificuldade em abrir-se a outras referências. Um processo necessariamente lento num país que insiste em esquecer as suas raízes musicais e em fazer orelhas moucas do seu imenso património etno-musical. Quando aqui ao lado, na Galiza, a música celta é considerada o rock dos jovens, porque terão de ser os distantes Estados Unidos a construir isoladamente o mapa sonoro de toda uma geração de portugueses?

Ainda que a música do mundo, vista numa perspectiva de Portugal para fora, não se esgote na melódica latinidade e no vibrante afropop, tão na moda nos dias que correm, a abordagem mais calorosa do “Planeta 3” não esconde antes revela os grandes trunfos da música dos povos: a alegria e o ritmo, que no fundo não são mais do que os impulsos básicos da vida. Seguindo essa mesma fórmula, o MULTIPISTAS – MÚSICAS DO MUNDO procura modestamente furar o cinzentismo e a homogeneidade musical do dial. Um formato musical que acompanha a linha de evolução do conceito de música do mundo, hoje um imenso e intenso tabuleiro de fusões sonoras onde género e géneros se esfumam diariamente.

Admito que despertei para este tipo de música ao ouvir anos a fio a homóloga espanhola Radio 3 – coisa fácil junto à fronteira, mas que com o web streaming deixou de ser um exclusivo de quem vive na raia –, porque na rádio portuguesa nunca houve grande abertura para um universo musical que, acertadamente, preenche quase por completo de manhã à noite a grelha de programação daquela emissora e de outras equivalentes europeias. Afortunadamente (para eles e para alguns de nós), do lado de lá os microfones da Rádio Nacional de Espanha continuam à disposição dos "mundialescos dinosauros radialistas", que nos seus programas de autor – outra raridade cada vez maior por cá – partilham connosco a sua bagagem musical étnica, nos alimentam a curiosidade pela história e cultura dos povos distantes e nos ajudam a encontrar referências e a construir a partir daí uma palete diversificada. Que ninguém duvide que será tudo isto que iremos lembrar daqui a uns anos ao perspectivarmos o nosso passado.

A rádio pública, à luz do modelo europeu de radiodifusão e seja ela feita para jovens ou adultos, é isto mesmo: uma porta aberta para o mundo. Às rádios ditas comerciais caberá seguir, se assim o entenderem, outro caminho mais "genérico" e "asséptico". E é por este custo acrescido e para garantir o direito à diferença que todos nós pagamos juntamente com a factura da luz a chamada “Contribuição Audiovisual”. Caso contrário, perante o incumprimento do compromisso do Estado com os cidadãos que representa, de que forma se poderia legitimar esta taxa “voluntária”?

E ainda que a "imagem sonora" da espanhola Radio 3 fique alguns pontos atrás do que se faz na Antena 3, aquela estação acaba por levar a melhor no que toca a conteúdos e a diversidade. Seja pelos comentários contextualizados e bem argumentados ou pelas críticas sempre reflectidas destes senhores, quase todos eles com alguma bibliografia publicada sobre a rádio musical da área da pop, do rock ou da world, coisa que por cá parece desde já ser uma matéria irrelevante junto de todos, generalizada que está a ideia da música em rádio como o único suporte linguístico e mero conteúdo de entretenimento.

Cada vez mais a palavra (não confundir com o palavreado sem nexo) será a salvação da rádio, mesmo que para já não saibamos o que irá acontecer à oitava arte e que transformações poderão ocorrer à telefonia, passem elas ou não pelos podcasts ou pela rádio digital, interactiva e com integração de serviços. Cada um de nós terá isso sim de fazer um esforço para que as coisas mudem pouco a pouco. A música do mundo precisa de um airplay condigno e regular em Portugal!

Proponho desde já a partilha de experiências entre todos os agentes de divulgação musical, sobretudo aqueles de nós que, na blogosfera ou no éter local e regional, com poucos meios e muito amor à camisola, insistem em ousar quebrar os pressupostos da estandardização musical que diariamente nos vai digerindo as referências. Associemo-nos então para que as músicas do mundo possam ser apreciadas por todos, sem embaraços, tal como em tempos remotos. Este universo não pode ser visto como uma cultura alternativa, desligada do seu contexto social, e cada vez mais apenas sujeito à apreciação insípida de uma crítica distante. No nosso democrático país, falta fazer-se essa revolução cultural. E para contrariar o lado negativo da tradição, não deleguemos de novo a tarefa noutra geração.

Jorge Costa

1 comentário:

Xosé Manuel Carreira disse...

Não sou português, sou espanhol, bom, da Galiza mas sempre gostei da música portuguesa (Zeca Afonso, Madredeus, Dulce Pontes, Mariza,...)

Uma vez estava a falar com uma rapariga portuguesa e disse-lhe que gostava imenso de um grupo português chamado Brigada Víctor Jara e ela riu muito e disse-me que era um grupo para velhotes. Bom, eu sempre tive muito respeito pela música tradicional e não achava que os BVJ fossem coisa de velhotes.

De facto a primeira vez que ouvi flar no BVJ foi no desaparecido programa de Radio3 chamado Trébede, do que se podem escutar os arquivos velhos nalguma web que não consigo lembrar. Tente fazer Google+Trébede se quiser.